(...)
O velho da hemorragia baixou a cabeça. Na posição em que se encontrava, o sangue que escorria do nariz entrava directamente entre a camisa e a pele, descia pelo peito e começava a alojar-se na parte posterior das calças, tingindo de vermelho o assento do banco. Voltou a procurar o lenço no bolso, limpou-se e ficou com ele a pressionar o local da ferida. Ao ver que o olhavam fixamente, disse, sem que lhe tivessem perguntado nada:
O velho da hemorragia baixou a cabeça. Na posição em que se encontrava, o sangue que escorria do nariz entrava directamente entre a camisa e a pele, descia pelo peito e começava a alojar-se na parte posterior das calças, tingindo de vermelho o assento do banco. Voltou a procurar o lenço no bolso, limpou-se e ficou com ele a pressionar o local da ferida. Ao ver que o olhavam fixamente, disse, sem que lhe tivessem perguntado nada:
— Caí!
Ninguém respondeu.
— Podias ter-te sentado — disse o outro homem à esposa. — Ainda vamos ter muito que esperar.
— Podias ter-te sentado — disse o outro homem à esposa. — Ainda vamos ter muito que esperar.
A mulher, alta, esguia,
evidenciando traços que permitiam avaliar ter sido na juventude muito bonita,
vestia apenas uma bata sem mangas, com minúsculas florinhas estampadas, e
calçava umas sandálias baixas de palha entrançada.
Aproximou-se mais do marido e
falou-lhe baixo, perto do ouvido:
— Vê se te calas. Esse homem
está pior que eu.
— Aqui ninguém está pior —
resmungou o marido.
— Cala-te, homem, que Deus pode-te
castigar.
— Deus?! Ora!, Deus...
A mulher deitou-lhe um olhar
frio e o homem ficou calado durante uns segundos. Depois, voltou a resmungar
alguma coisa imperceptível e saiu de ao pé dela para se encostar à parede
branca, do outro lado do corredor, exactamente entre o fim do banco ocupadíssimo
e a porta fechada de um dos gabinetes.
De vez em quando uma das
portas abria-se, dando passagem a pessoal médico que transitava apressado no
corredor, deixando atrás de si o chiar abafado das solas dos sapatos no piso
sintético, para entrar noutras portas que se fechavam de seguida.
Uma enfermeira de meia-idade
saiu do elevador e, saltitando, dirigiu-se à porta junto da qual o homem se
encontrava.
— É uma vergonha — disse-lhe o
homem, como se se dirigisse a um holograma.
— O quê?! — perguntou a enfermeira,
apanhada de surpresa.
— Que estejamos todos aqui a
morrer, e ninguém nos atenda!
A enfermeira não lhe
respondeu; já estava habituada às reclamações. Abriu a porta com a sua mãozinha
branca e pequena, entrou, vestida de anjo imaculado, e voltou a fechá-la.
Quando o estalido da língua a correr na fechadura deixou de se escutar no
silêncio quase absoluto do corredor, a mulher foi colocar-se ao pé dele e
voltou a repreendê-lo em voz baixa:
— Não tinhas o direito. A
senhora está a entrar ao serviço e nem sequer sabe o que se passa...
— Ora — disse o homem,
gesticulando. — Estamos para aqui a morrer e ninguém nos atende...
— Como!? — exclamou a mulher,
embora tivesse escutado perfeitamente as palavras do marido.
— Disse que estamos todos para
aqui a morrer e que ninguém nos dá atenção...
A princípio, a mulher ficou
calada. Depois, num ímpeto, respondeu-lhe com rispidez:
— Para o caso de tu ainda o
não saberes, a doente, aqui, sou eu. E não me ouves lastimar.
— Não se falando, está-se aqui
todo o dia. Morre-se para aí a um canto, como um desgraçado dum cão.
— Se alguém aqui está a
morrer, não és tu— disse-lhe a mulher já visivelmente alterada com a
impaciência do marido.
O homem respondeu-lhe nos
mesmos modos:
— Aos oitenta anos, não são só
os doentes que morrem. Cada minuto que aqui passo, à espera que te atendam, é
um pedaço de vida que me tiram. Achas que isso não é morrer?!...
"Cada minuto que aqui passo, à espera que te atendam, é um pedaço de vida que me tiram. Achas que isso não é morrer?!..."
ResponderEliminarAdorei! Não morre só quem está doente mas também quem espera e, muitas vezes, em vão.
~ ~ Um drama diário... ~ ~
ResponderEliminar~ ~ Continuo a gostar. ~ ~
~ ~ ~ Abraço amigo. ~ ~ ~
.
O caleidoscópio que é a face da Morte. Vejamos o resto...
ResponderEliminarabraço!
Ainda não me tinha ocorrido, mas é isso: cada minuto naqueles corredores é 60 segundos menos de vida e de felicidade.
ResponderEliminarAté amanhã.
Beijinhos
Isabel Gomes
(^‿^)✿
ResponderEliminarCoucou Olinda et MERCI pour ce beau partage.
GROS BISOUS D'ASIE✿ et bonne continuation !!!