sábado, 27 de setembro de 2014

Para que um dia as nossas mãos se unissem...































Quanto caminho não haveria de ser percorrido, desde os primórdios, na lonjura dos tempos, nos incomensuráveis e insondáveis dias que nos precederam: Adão, a palavra, o hexâmetro, os espelhos. O infinito linho de Penélope. O tempo dos estóicos. O mar aberto. O ávido ouro. Cada remorso e cada lágrima. As causas, elas aqui estão:

As Causas


Todas as gerações e os poentes. 
Os dias e nenhum foi o primeiro.
A frescura da água na garganta
De Adão. O ordenado Paraíso.
O olho decifrando a maior treva.
O amor dos lobos ao raiar da alba.
A palavra. O hexâmetro. Os espelhos.
A Torre de Babel e a soberba.
A lua que os Caldeus observaram.
As areias inúmeras do Ganges.
Chuang Tzu e a borboleta que o sonhou.
As maçãs feitas de ouro que há nas ilhas.
Os passos do errante labirinto.
O infinito linho de Penélope.
O tempo circular, o dos estóicos.
A moeda na boca de quem morre.
O peso de uma espada na balança.
Cada vã gota de água na clepsidra.
As águias e os fastos, as legiões.
Na manhã de Farsália Júlio César.
A penumbra das cruzes sobre a terra.
O xadrez e a álgebra dos Persas.
Os vestígios das longas migrações.
A conquista de reinos pela espada.
A bússola incessante. O mar aberto.
O eco do relógio na memória.
O rei que pelo gume é justiçado.
O incalculável pó que foi exércitos.
A voz do rouxinol da Dinamarca.
A escrupulosa linha do calígrafo.
O rosto do suicida visto ao espelho.
O ás do batoteiro. O ávido ouro.
As formas de uma nuvem no deserto.
Cada arabesco do caleidoscópio.
Cada remorso e também cada lágrima.
Foram precisas todas essas coisas
Para que um dia as nossas mãos se unissem. 

Jorge Luis Borges
    1899-1986 

Tempo para recordar Jorge Francisco Isidoro Luís Borges de Acevedo, nascido em Buenos Aires, em 1899, poeta, crítico literário, ensaísta. Li, há alguns dias, que a Câmara de Torre de Moncorvo, em parceria com a Universidade Nacional de San Martín, na Argentina, vai fazer um estudo genealógico sobre o escritor argentino, percorrendo 200 anos até às suas raízes. Consta que em 1850, o seu bisavô, Francisco Borges, saiu de Torre de Moncorvo, integrado numa expedição militar para o rio de la Plata e nunca mais regressou a Portugal. Aguardemos... 


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Poema: in "História da Noite" .Tradução de Fernando Pinto do Amaral.Citador
Ler também o Advento-aqui 
Imagem: 
La insondable pampa argentina-daqui

21 comentários:

  1. Desconhecia totalmente tanto o autor como as suas remotas origens.
    Muito bom o poema. Adorei.
    Um abraço e bom fim de semana

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  2. Tantas causas.

    Uma partilha preciosa.

    Gostei muito.

    Beijinhos

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  3. De facto, parece que as origens de Borges são mesmo portuguesas, até a avaliar pelo seu poema Os Borges :)
    Que poema incrível!
    Beijinhos, bom fim-de-semana!

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  4. Um poema admirável que percorre transversalmente a história universal e a mitologia das
    civilizações, numa notável mensagem de paz para o mundo.
    Bem merece constar desta excelente homenagem.

    Unamos as mãos, amigos!

    Um primeiro fim de semana de Outono aprazível e ameno
    Beijinhos.
    M.

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  5. MERCI chère Olinda !!!

    ☼ je t'envoie plein de douces pensées d'Asie.
    ≧^◡^≦ Passe un bon dimanche !!!!

    GROS BISOUS ! ♥❤

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  6. Grande Luís Borges.
    Será que teve mesmo ascendentes portugueses?
    Será que o Borges de Moncorvo se esqueceu de voltar a Portugal por causa de alguma paixão assolapada...?
    Tem um bom domingo e uma boa semana, querida amiga Olinda.
    Abraço.

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  7. Não conhecia o autor, obrigado por esta excelente partilha.
    Beijinhos
    Maria

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  8. As mãos uniram-se e depois desuniram-se e, pior, agrediram-se!
    E, lá está, a origem dele: não somos, afinal, todos irmãos? :)
    Beijinhos, boa semana!

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  9. Gostei muito deste "genealógico" post :)

    beijo amigo

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  10. Demoro a vir, mesmo gostando tanto de estar aqui...Junta-se a preguiça com a desorganização nas tarefas de uma aposentada que nunca se afinou com as tarefas domésticas e o resultado é este: falta tempo, para "arruar"...
    Minha querida Olinda, conheço um bocado esse nosso vizinho argentino e tenho por ele grande admiração. O texto é maravilhoso!. Gostei de saber sobre a busca de sua genealogia. Adoro o tema, ficarei na espreita, esperando os resultados das pesquisas...

    Um beijo carinhoso,
    da Lúcia

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  11. sempre boas escolhas, por aqui

    um abraço

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  12. Olá Olinda!
    Bela iniciativa essa dos parceiros argentinos e transmontanos. E os portugueses constituem, em matéria de antropologia, emigração ou até, talvez melhor dizendo, transumância, um manancial inesgotável para os que se queiram dedicar ao estudo dessas movimentações e seus "porquês". O povo português é certamente aquele que mais caminhos percorreu mundo fora e o que mais navegou. Mais mares houvera... mais mundo houvera..
    https://www.youtube.com/watch?v=zsDeDF6zBPQ
    ;)

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    1. Bela a música que me trouxeste, Bartolomeu. :)
      Muito obrigada.
      Abraço

      Olinda

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  13. Querida Olinda
    Sempre a presentear-nos com posts de qualidade!
    Os portugueses sempre gostaram de desbravar terreno...
    Acreditemos que as origens de Jorge Luis Borges são, de facto, portuguesas - ou façamos uma forcinha para que sim :)
    Lindíssimo poema!

    Quero agradecer-te as tuas presenças na minha «CASA», que são, para mim. motivo de grande satisfação.
    Como hoje sou "pequenina"... o prazer é redobrado.

    Obrigada, querida.
    Um grande beijinho.

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  14. Admiravel....Não conhecia o autor
    Boa semana
    Beijo

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  15. Muito belo e universalizante, este poema que aqui nos mostra. Obrigado.
    Um beijinho para si!

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  16. José Luis Borges faz-me companhia. Tenho livros dele mesmo por trás de onde
    estou sentada. Gostei muito deste seu post.
    Bj.
    Irene Alves

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  17. Um escritor por quem nutro grande admiração. Seus trabalhos são maravilhosos. Há alguns anos, recebi um texto dele e logo me encantei. O que transcreveu já mostra seu talento, pois em uma simples e rica viagem pelo tempo ele passou sua mensagem. Gostei muito. Bjs.

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  18. Mais um poeta que desconhecia e de quem me aficcionei.
    Uma escrita diferente.
    Rasgos históricos do nosso conhecimento.
    Vale a pena reler e guardar.

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  19. Estupendo post, querida Olinda.

    Abraço forte :)

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