quinta-feira, 10 de janeiro de 2013

A velhice pede desculpas

Tão velho estou como árvore no inverno,
vulcão sufocado, pássaro sonolento.
Tão velho estou, de pálpebras baixas,
acostumado apenas ao som das músicas,
à forma das letras.

Fere-me a luz das lâmpadas, o grito frenético
dos provisórios dias do mundo:
Mas há um sol eterno, eterno e brando
e uma voz que não me canso, muito longe, de ouvir.

Desculpai-me esta face que se fez resignada:
já não é a minha, mas a do tempo,
com seus muitos episódios.

Desculpai-me não ser bem eu:
mas um fantasma de tudo.
Recebereis em mim muitos mil anos, é certo,
com suas sombras, porém, suas intermináveis sombras.

Desculpai-me viver ainda:
que os destroços, mesmo os da maior glória
são na verdade só destroços, destroços.

Cecília Meireles
In ‘Poemas 1958’ (Citador)

****


E assim vamos nós contando os dias do nosso descontentamento, enfrentando escolhos em forma de relatórios, de palavras refundadas, de atitudes titubeantes daqueles que governam os nossos destinos. E a coisa vai chegando aos poucos, gota a gota, hoje é isto, amanhã é aquilo, não se vislumbra um planeamento, uma visão global dos estragos e do que é preciso fazer para repará-los.

O que nos abala é termos a sensação de que os sacrifícios exigidos não servirão de nada, de que nunca chegaremos lá, de que nunca veremos o fundo ao tacho da tal dívida soberana. E a tónica incide sobre determinada faixa etária e determinado grupo profissional, como fontes de toda a despesa pública como se não houvessem outras despesas a suprimir. 

Que o Estado deve ser repensado, disto não há qualquer dúvida. No entanto, medidas tomadas em cima do joelho, segundo parece, sem ter em conta que elas terão um efeito em cascata, isto é, não havendo poder de compra, emprego e com a economia estagnada, tudo acabará por se desmoronar e parar completamente.

Pensemos, pensemos... Acredito que haverá por este país fora boas cabeças capazes de pensar e encontrar soluções para o bem comum.


Assim seja...


8 comentários:

  1. Adorei seu comentário!
    Concordo plenamente... Eu tenho esperanças de que um dia, alguém, um ser bem intencionado, ainda possa governar este país e "tentar" colocar tudo nos eixos... Por hora, só ganha eleição quem "comprar" o zé povinho com bolsas diversas... Mas um dia isto há de terminar, pois, o povo ainda vai vislumbrar um TODO!!! Assim espero!!!

    ResponderEliminar
  2. O poema de Cecília Meireles é belíssimo e tão nostálgico quanto suas palavras de irresignação. Os efeitos do tempo não marcam só o corpo, mas a alma de quem espera, espera... e não vê as tão sonhadas mudanças.
    (Obrigada pelos cumprimentos e pelo carinho.)
    Bjs.

    ResponderEliminar
  3. Uma reflexão para todos...

    Beijinhos

    Ana

    ResponderEliminar
  4. Penso já ter descoberto o tão misterioso objectivo a que conduzem as medidas que este governo tem aprovado, Olinda.
    Repara: aumentam o tempo mínimo de idade para a reforma, no pressuposto que o tempo que cada cidadão pode esperar viver, aumentou.
    Em que se basearam para chegar a tão auspiciosa conclusão, é que não sabemos, dado que, na saúde também ovas regras foram aprovadas, relativamente ao aumento dàs taxas moderadoras nas consulta e tratamentos, na redução da comparticipação no preço dos medicamentos e até na eliminação total de comparticipação em alguns medicamentos e tratamentos.
    Ora somos então colocados perante um paradoxo; como é que se pode exigir às pessoas que trabalhem mais tempo, prometendo-lhe longevidade e retirando os meios de a alcançar?
    E ainda, aumentando taxas e impostos, reduzindo subsídios e fundos, retirando, em suma, aos cidadãos, a hipotese de se alimentarem mínimamente.
    Então, como disse no início, a estratégia só pode ser uma: extinguir o povo português. Só ainda não compreendi, por que povo pretendem substituí-lo. Será que querem o país só para eles?!
    às tantas...

    ResponderEliminar
  5. Querida Olinda, muito bem escolhido, o poema de Cecília Meireles. Seu texto, procede. Para este, só sei dizer: assim seja!

    Um beijo,
    da Lúcia

    ResponderEliminar
  6. Cecília é a minha poetisa preferida.
    Quanto à sua reflexão sobre a atualidade, amiga estamos no mesmo barco.
    Sabe eu acredito que o povo tem parte da culpa. A Revolução deu-nos o poder do voto. E o que é que o povo faz na hora de votar, que não aparece nas urnas? Depois há outra coisa que me preocupa.
    Em Portugal há grandes inteligências e pessoas competentes sim. Mas parece que essas não estão interessadas na carreira politica. Daí que quem se apresenta para as eleições são o que se tem visto.
    Quando oiço o nosso PM dizer que os Portugueses já poderão ver a luz ao fundo do túnel não posso deixar de pensar que será um comboio que nos vai trucidar.
    Um abraço

    ResponderEliminar
  7. Um Poema lindo. Honra e glória á Poetisa.
    O teu texto despertou-me outro sentimento, de... revolta.
    Não do que dizes nem de como dizes, mas de quem se assenhoreou de nós: o insaciável Estado.
    Acho já haver encontrado o ponto de partida para a recuperação da dignidade de Povo: o Governo Legislaria (sem mudar de opinião e de rota nas 24 horas imediatas) para, pelo menos, cinco anos.
    O Povo e as Gentes saberiam que passos dar sem ter Passos a trapacear.
    Igualmente se veriam Homens sérios e capazes.



    Beijos


    SOL

    ResponderEliminar
  8. Belas postagens e lindo blog. Um feliz 2013 com grande sucesso.

    ResponderEliminar