quinta-feira, 12 de julho de 2012

Os poetas, como os cegos, podem ver no escuro


Termino, hoje, esta série de publicações sobre o tema mundo, que visava o dia 11 de Julho, data em que foi assinalado o dia mundial da população ou o dia da população mundial, avaliada, em Outubro de 2011, em sete biliões de pessoas.

Importará reflectirmos sobre quem somos, o que somos, sobre a nossa visão do mundo, fazendo também um balanço sobre o que foi ou o que tem sido a nossa vida de habitantes deste planeta.

Jorge Luís Borges, 1889-1986, escritor, poeta, tradutor, crítico literário e ensaísta argentino, dá-nos a panorâmica de uma vida pautada por determinados valores mas também passível de ter outros aspectos, outra dinâmica, para que ela possa ser vivida em pleno. É, realmente, o balanço de uma vida, este seu fantástico poema.

Em relação ao título deste post, retirei-o de uma citação numa sua biografia e consta também do poema que abaixo transcrevo, não sabendo se dele faz parte ou não. Contudo, segundo consta da referida biografia, ele teria feito esta afirmação em função da sua progressiva cegueira.



Imperdível este video


Instantes
Se eu pudesse novamente viver a vida…
Na próxima…trataria de cometer mais erros…
Não tentaria ser tão perfeito…
Relaxaria mais…
Teria menos pressa e menos medo.
Daria mais valor secundário às coisas secundárias.
Na verdade bem menos coisas levaria a sério.
Seria muito mais alegre do que fui.
Só na alegria existe vida.
Seria mais espontâneo…correria mais riscos, viajaria mais.
Contemplaria mais entardeceres…
Subiria mais montanhas…
Nadaria mais rios…
Seria mais ousado…pois a ousadia move o mundo.
Iria a mais lugares onde nunca fui.
Tomaria mais sorvete e menos sopa…
Teria menos problemas reais…e nenhum imaginário.
Eu fui dessas pessoas que vivem preocupadamente
Cada minuto de sua vida.
Claro que tive momentos de alegria…
Mas se eu pudesse voltar a viver, tentaria viver somente bons momentos.
Nunca perca o agora.
Mesmo porque nada nos garante que estaremos vivos amanhã de manhã.
Eu era destes que não ia a lugar algum sem um termômetro…
Uma bolsa de água quente, um guarda chuvas ou um paraquedas…
Se eu voltasse a viver…viajaria mais leve.
Não levaria comigo nada que fosse apenas um fardo.
Se eu voltasse a viver
Começaria a andar descalço no início da primavera e…
continuaria até o final do outono.
Jamais experimentaria os sentimentos de culpa ou de ódio.
Teria amado mais a liberdade e teria mais amores do que tive.
Viveria cada dia como se fosse um prêmio
E como se fosse o último.
Daria mais voltas em minha rua, contemplaria mais amanheceres e
Brincaria mais do que brinquei.
Teria descoberto mais cedo que só o prazer nos livra da loucura.
Tentaria uma coisa mais nova a cada dia.
Se tivesse outra vez a vida pela frente.
Mas como sabem…
Tenho 88 anos e sei que…estou morrendo.

“Os poetas, como os cegos, podem ver no escuro”

Com esta capacidade de ver onde normalmente pouco ou nada vemos, o poeta considera justos aqueles que se ocupam de algo, mesmo que seja ouvir música, ler um poema, cultivar o seu jardim e que, sem darem por isso, estarão a salvar o mundo...   
Os justos

Um homem que cultiva o seu jardim, como queria Voltaire
O que agradece que na terra haja música. 
O que descobre com prazer uma etimologia. 
Dois empregados que num café do Sul jogam um silencioso
 xadrez. 
O ceramista que premedita uma cor e uma forma.
 
O tipógrafo que compõe bem esta página, que talvez não lhe agrade. 
Uma mulher e um homem que lêem os tercetos finais de certo canto.
 
O que acarinha um animal adormecido. 
O que justifica ou quer justificar um mal que lhe fizeram. 

O que agradece que na terra haja Stevenson. 
O que prefere que os outros tenham razão.
 
Essas pessoas, que se ignoram, estão a salvar o mundo. 

População da Nigéria, assim como de todo o continente africano, é uma das que mais cresce no mundo (Foto: Akintunde Akinleye/UNFPA)

Viajantes do espaço e privilegiados, alguns, com os benefícios do progresso,  ligados por fios invisíveis, não importando as coordenadas geográficas: A população mundial, uma realidade mal repartida, amontoada em determinados espaços e rareando noutros, abundando a riqueza ali e faltando o essencial para a sobrevivência acolá, indicador, talvez, da má gestão da nossa inteligência. Conseguiremos algum dia viver, todos, condignamente, qualquer que seja o recanto,  o lugar, o rincão?


NOTA: O poema Instantes, atribuído a Jorge Luís Borges, é apócrifo. Este precioso contributo foi-nos trazido pela autora do Canto da Boca, no seu comentário a este post. Obrigada minha amiga. :)


Poemas de:Jorge Luis Borges - Biografia
Nigéria: Foto Akintunde Akinleye
Imagem Jardim, também da Internet


 As hiperligaçoes permitem aceder aos sites donde retirei o material para a composição deste post, isto é, video, poemas e imagens. Os meus agradecimentos.

24 comentários:

  1. Excelente post. Não conhecia nenhum destes poemas, mas gostei imenso especialmente do primeiro. Também não tenho andado muito por aqui, aproveitando a imensa luz de Verão para longos passeios, e outros trabalhos que não a escrita. O ano passado com o marido a atravessar um negro periodo na saúde com as sessões de radioterapia, e as preocupações, praticamente não vivi o Verão.
    Um abraço e bom fim de semana

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    1. Querida Elvira

      Aproveitem estes dias de Verão pois o Inverno começa não tarda nada...São dias que passam a correr, assim, é tempo de fazer provisão de energias, de caminhar, de fazer piqueniques, de visitar as belezas deste país. :)

      Beijinhos

      Olinda

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  2. Linda, linda postagem!
    Lindos poemas: adorei tudo!


    Abração,
    Rodrigo Davel

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    1. Olá Rodrigo Ravel

      Obrigada pela visita.

      Outro abraço.

      Olinda

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  3. Impressionante, o poema de Jorge Luís Borges. Por acaso, já li, numa reportagem, que os médicos e enfermeiros que tratam de casos terminais dizem que as pessoas que sabem que vão morrer lamentam, sobretudo, o facto de não terem gozado mais a vida, o de se terem preocupado demais com problemas que nem sequer estão ao seu alcance, impedindo-as de repararem nas pequenas coisas.

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    1. Cara Cristina

      Penso que é uma visão de vida bastante válida. Muitas vezes, damos demasiada importância a coisas que, bem vistas as coisas, têm um interesse bastante relativo, como tudo. Só que não nos lembramos disso em tempo devido...

      :)

      Bj

      Olinda

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  4. Realmente minha querida, acredito que seria o sonho de muitos poetas e todos nós, acabar com a desigualdade social, que todos independente de cor ou raça, pudessem ter igualdade social, isto que considero injusto.
    Adorei esta colocação: Teria menos problemas reais…e nenhum imaginário, pois fantasiamos muito antes do esperado e isto nos causa surpersas inesperadas. Adorei os poemas e o primeiro realmente ele achou que deveria ter vivido mais, acredito que cada um vive o suficiente para sua vida, isto sim, importa, pois de tudo, sempre se tem experiência de vida e isto é o que mais importa na vida!
    Muito obrigada querida pelo carinho e por sempre estar presente, isto não tem preço. Domingo, estarei de volta. Fica com os anjos do senhor e ótima semana! Beijos no coração da sempre amiga.

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    1. Olá, Cecília

      Sim, a igualdade, um projecto que deveria ser prioritário para todos nós.

      Em relação ao poema e à parte a que se refere, muitas vezes projectam-se situações que fogem da realidade quando esta afinal poderia ser bem simples.

      De tudo o que se vive,o importante realmente é direccionar a experiência para um melhoramento nosso e de quem nos rodeia.

      Muito obrigada pelas suas palavras.

      :)

      Bj

      Olinda

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  5. Olinda

    Fiquei encantada com este teu post. Li, reli e voltei a reler, tal como o vídeo que vi, revi e voltei a rever.

    Os poemas que colocaste são maravilhosos, o vídeo fascinante, muito bem feito e conseguido o objectivo a atingir.

    Jorge Luis Borges pertence à galeria dos imortais.

    Parabéns pelo post e obrigada pela partilha.

    Beijinhos

    Tétis

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    1. Olá, Tétis

      Muito grata pela tua visita. Então, essa saúde já está completamente revigorada? Desejo que sim.

      Nas palavras de quem escreve encontramos ideias, incentivos, outras formas de ver a vida, que nos vão enriquecendo, pois levam-nos a analisarmo-nos a nós próprios sob várias facetas.

      Volta sempre, Tétis.

      Bj

      Olinda

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  6. Viajastes bem em lugares virtuosos para que chegastes a esta bela composição.
    No mundo literário temos ainda muita a caminhar, pois neles as estradas são sinuosas porém com um afim, a sabedoria.
    Abraço

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    1. Olá, Lu Cidreira

      A estrada é longa e sinuosa, como bem refere, muitas vezes tropeçamos, mas importam mais as tentativas e o facto de irmos partindo algumas pedras.

      E a sabedoria, essa, se bem que meta inalcansável, é um aliciante na medida em que impedirá que paremos pelo caminho... na busca desta coisa importantíssima que é 'conhece-te a ti mesmo', que Sócrates nos legou.

      Um grande abraço.

      Abraço

      Olinda

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  7. Seus projetos são sempre gregários, Olinda, e acho bacana quando deslocas o centro do mundo, quando passeias por outros continentes para conhecer e fazer conhecer a produção literária, "deseurocentrizando" a poesia. Conhecer, compreender e respeitar, assim agem as grandes pessoas como tu.

    Gosto muito do Borges poeta. Esse poema apócrifo com o qual tu nos brinda hoje, sofreu uma intertextualidade de um grupo de músico brasileiros, e ficou bacana, não sei se conheces? Aqui: http://letras.mus.br/titas/48968/

    E do Borges, lhe trago o meu poema favorito:

    O ADVENTO
    Sou o que fui na aurora, entre a tribo.
    Deitado em meu canto da caverna,
    Lutava por afundar nas obscuras
    Águas do sonho.
    Espectros de animais
    Feridos pelo estilhaço da flecha
    Davam horror à negrura.
    Mas algo,
    Talvez a execução de uma promessa,
    A morte de um rival sobre a montanha,
    Talvez o amor, ou uma pedra mágica,
    Me fora outorgado. Perdi tudo.
    Pelos séculos gasta, a memória
    Só guarda essa noite e sua manhã.
    Sentia desejo e medo.
    Bruscamente
    Ouvi o surdo tropel interminável
    De um rebanho atravessando a aurora.
    Arco de roble, flechas que se cravam,
    Deixei-os e corri até a greta
    Que se abre no extremo da caverna.
    Foi então que os vi.
    Brasa avermelhada,
    Cruéis os cornos, montanhoso o lombo,
    A crina lúgubre como os seus olhos
    Que espreitavam malvados.
    Aos milhares.
    São os bisões, eu disse.
    A palavraNunca antes passara por meus lábios,
    Mas senti que talvez fosse seu nome.
    Era como se eu nunca houvesse visto,
    Como se houvesse estado cego e morto
    No tempo antes dos bisões da aurora.
    Eles surgiam da aurora.
    Eram a aurora.
    Não quis que os outros profanassem
    Aquele denso rio de bruteza
    Divina, de ignorância, de soberba,
    Indiferente como as estrelas.
    Pisotearam um cão do caminho;
    Teriam feito o mesmo com um homem.
    Depois os traçaria na caverna
    Com ocre e cinábrio.
    Foram os Deuses
    Do sacrifício e das preces.
    Nunca
    Disse minha boca o nome de Altamira.
    Foram muitas minhas formas e mortes.

    -----

    E meu beijo!

    ;)

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    1. Canto da Boca,
      Minha querida amiga

      Este teu comentário é fantástico. Não só pelas lindas palavras com que me mimas, como também pelo poema, Advento, de Jorge Luís Borges, que me/nos trouxeste, de que gostei muito. Publicá-lo-ei proximamente.

      E mais, complementaste este post com um inestimável contributo, trazendo-nos a indicação de que o poema Instantes é um poema apócrifo - logo, atribuído a Jorge Luís Borges, mas que na realidade é de autor desconhecido.

      Por aqui se vê como é importante a confrontação de fontes quando se encontra um poema, um texto, pensamentos, citações, publicados neste mundo global que é a Internet. Ter sempre presente que nada é garantido... e também que todos os dias podemos aprender alguma coisa mais, neste grande intercâmbio que a própria Internet nos permite. Interessante, não é?

      Ouvi o video cujo endereço aqui incluíste e também farei dele um post...

      :)

      Muito obrigada.

      Beijinhos

      Olinda

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  8. E encerras em grande estilo, Olinda, esta série. Se bem que, nem o tema, nem os autores, nem a poesia, se achem sujeitos a qualquer forma de temporalidade.
    O título do post é também excepcional. Os poetas possuem essa particularidade; talvez porque nasçam com olhos diferentes dos comuns, ou com sentidos extra-sensoriais capazes des lhes potenciar a visão.
    Mas talvez Jorge Luis Borges não saiba, que irá voltar a viver. Reviverá a cada minuto na poesia e renascerá. Só que, sem saber que já viveu antes mas, voltando para alimentar o mundo, de poesia.
    ;)

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    1. Bem visto, meu caro.
      E o que é o tempo afinal?
      Podemos balizá-lo pela sucessão dos dias e das noites, pela rotação e translação da terra, pelo calendário que afinal não é igual para todos. Podemos convencioná-lo, condicioná-lo, arranjar mil subterfúgios para aprisioná-lo que ele continuará volátil e igual a si próprio... como a nossa mente que não conhece fronteiras.

      Tens razão,poetas como Jorge Luís Borges, são imortais.

      Mas, meditemos nestas suas palavras:
      '...O processo do tempo é uma trama de efeitos e causas, de sorte que pedir qualquer mercê, por ínfima que seja, é pedir que se rompa um elo dessa trama de ferro, é pedir que já se tenha rompido. Ninguém merece tal milagre'...
      Interessante esta 'oração', em que pede:'Quero morrer completamente; quero morrer com este companheiro, meu corpo'.
      'http://www.releituras.com/jlborges_menu.asp

      Grande abraço

      Olinda

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  9. Até hoje só li um livro de Borges ...e não foi de poesia.


    Um abraço, minha amiga

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    1. É, São, segundo o que vi dele, trata-se de um autor muito completo, com várias facetas e vários tipos de escrita.

      Bj

      Olinda

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  10. Quando se encerra com chave de ouro:)! está tudo dito.
    Abraço

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    1. Olá, Álvaro

      Obrigada pelas tuas palavras. :)

      Abraço

      Olinda

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  11. Olá, boa noite!
    Problemas vários fazem com que só agora esteja a regressar aos blogs.
    Vou ver se a partir de agora sou mais assíduo.
    Bom fim de semana para si!

    *Os grandes poetas até se vêem de dia!...

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    1. :)

      Gostei. E assim sendo nem é preciso um Diógenes com a sua lanterna durante o dia...'procurando um homem'.

      Obrigada pela visita, Vieira Calado, é sempre um prazer recebê-lo aqui no Xaile de Seda.

      Abraço.

      Olinda

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  12. Ter vc comigo é maravilhoso! Obrigada pelo carinho e sua amizade.
    Obrigada por reservar um cantinho em sua vida. para abrigar o meu amor e carinho.
    obrigada por partilhar comigo.momentos tão sublimes nesta troca gratuita de amizade!
    Que Deus te proteja hoje e sempre.
    Obrigada também por estar sempre comigo
    em todos os momentos da minha vida.
    E através dessa magica telinha que encontrei
    alegria de viver e lutar sempre .
    Aqui tenho amigos reais por isso
    sempre digo.
    Amigos para Sempre.
    Um feliz e abençoado final de semana.
    Beijos no coração,Evanir.
    Não se esqueça que ..
    Estou seguindo -te e te amando.

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    1. Olá Evanir

      'Amigos para Sempre'.Eis um excelente lema, amiga Evanir: Viver sob os preceitos da Amizade, vivendo as alegrias e tristezas e dando o apoio sempre que necessário. Sei que está sempre disponível para os amigos, procurando prestigiá-los e dando-lhes carinho.

      Muito obrigada, minha amiga, desejo-lhe muitas felicidades e muita força e alegria.

      Beijinhos.

      Olinda

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