"A massambala cresce a olhos nus"
Vieram muitos
à procura de pasto
traziam olhos rasos da poeira e da sede
e o gado perdido.
Vieram muitos
à promessa de pasto
de capim gordo
das tranqüilas águas do lago.
Vieram de mãos vazias
mas olhos de sede
e sandálias gastas
da procura de pasto.
Ficaram pouco tempo
mas todo o pasto se gastou na sede
enquanto a massambala crescia
a olhos nus.
Partiram com olhos rasos de pasto
limpos de poeira
levaram o gado gordo e as raparigas.
Vieram muitos
à procura de pasto
traziam olhos rasos da poeira e da sede
e o gado perdido.
Vieram muitos
à promessa de pasto
de capim gordo
das tranqüilas águas do lago.
Vieram de mãos vazias
mas olhos de sede
e sandálias gastas
da procura de pasto.
Ficaram pouco tempo
mas todo o pasto se gastou na sede
enquanto a massambala crescia
a olhos nus.
Partiram com olhos rasos de pasto
limpos de poeira
levaram o gado gordo e as raparigas.
O lago da lua - 1999
De alguns dos excelentes poemas de Ana Paula Tavares que já publiquei, optei por republicar "Vieram muitos" por me lembrar a luta do povo Kuvale do sul de Angola, povo esse registado por Ruy Duarte de Carvalho, em "Vou lá visitar pastores". Também Pepetela dedica algumas páginas no seu livro "Yaka", ao drama desse povo.
Ana Paula Tavares, angolana, escritora, historiadora, cuja biografia consta já no Xaile de Seda, conta com uma obra de respeito e já tive oportunidade de falar sobre ela e, como disse acima, de publicar poemas seus. Portanto, não me surpreendeu que o júri do Prémio Camões lhe tivesse atribuído o mais alto galardão de literatura em língua portuguesa.
Aproveito para deixar aqui mais um dos seus poemas, que muito aprecio:
MUKAI
(2)
O ventre semeado
desagua cada ano
os frutos tenros
das mãos
(é feitiço)
nasce a manteiga
a casa
o penteado
o gesto
acorda a alma
a voz
olha para dentro
do silêncio milenar.
Ana Paula Tavares
(O lago da lua)
====
Ana Paula Tavares - aqui, no Xaile de Seda.
Buala: Três olhares sobre a etnia kuvale
Tiene muy bellos poemas. Te mando un beso.
ResponderEliminarMuito lindos os poemas e olhares ! Valeu a republicação e o poema novo muito lindo igualmente! Merecido prêmio!
ResponderEliminarbeijos praianos,chica
Uma obra a descobrir.
ResponderEliminarUm abraço.
Não é à toa que se atribui um prémio dessa envergadura.
ResponderEliminarNão conhecia a autora, mas esse galardão define a qualidade da sua obra.
Abraço de amizade.
Juvenal Nunes
É por isso que gosto cada vez mais de seguir a blogosfera. E se forem blogs como este estamos sempre a "cultivarmo-nos".
ResponderEliminarObrigado pela divulgação.
Abraço.
https://rabiscosdestorias.blogspot.com
Olá, Olinda.
ResponderEliminarPoemas tão significativos, tão bem escritos! Mereceu, creio, o prêmio. O cantor e escritor brasileiro Chico Buarque também já ganhou tal prêmio. Fiquei na dúvida sobre o significado da palavra 'massambala" que eu não conhecia e achei mais de um significado para ela. Tanto uma planta quanto uma dança.
Olá, Eduardo
EliminarSegundo Ana Paula Tavares:
Massambala é um cereal aborígene, usado para fazer farinha e, também, para fabricar uma espécie de cerveja…
Também fiz um post quando foi atribuído o Prémio Camões ao cantor e escritor brasileiro Chico Buarque, que muito aprecio.
Abraço
Olinda
Parabéns pela partilha! É maravilhoso ver o reconhecimento do talento da Ana Paula Tavares, e ler sobre prémios como o Camões inspira-nos a valorizar cada palavra e cada poema.
ResponderEliminarCom carinho,
Daniela Silva
alma-leveblog.blogspot.com
Espero pela tua visita no meu blog
Bonitos os poemas da Ana Paula Tavares, um merecido prêmio, Olinda feliz quinta-feira bjs.
ResponderEliminarOlá, querida amiga Olinda!
ResponderEliminarVocê escolhe a dedo o que postar, muito bom valorizar os escritores que recebem o prêmio de tal porte.
Por aqui, estamos sempre comemorando a colonização italiana no teatro, na TV, na música, na poesia, etc.
O povo homenageado pela autora merece carinho e destaque valoroso.
A autora foi muito feliz.
Tenha dias abençoado!
Beijinhos fraternos
Olinda, fico fascinada com a arte da poesia, de como as poetisas e poetas conseguem extrair das letras vazias palavras vivas tornando-as intensas e significativas. É PURA ARTE!
ResponderEliminarAna Paula Tavares é sábia, ela merece o prêmio Camões 2025 sem dúvida nenhuma!!
Gratidão por compartilhar tanto querida!!
Beijos e já antecipo desejos de um ótimo final de semana!!
Amiga Olinda,
ResponderEliminarVim bater palmas para Ana Paula Tavares. Também agradecer sua partilha (imediata). É claro que ela mereceu este "galardão".
Me permito neste breve comentário, deixar um poema de uma publicação brasileira. É o modo de reconhecer a beleza da poesia de Ana Paula ou de Paula Tavares, como ela é mais conhecida em Portugal. Estou certo?
Sempre quero saber do miúdo, seu neto, me diga, "ele está matando a pau na escola"?
Isto é uma gíria brasileira, prosaico, para afirmar que o individuo vai muito bem, que seu valor é reconhecido.
Beijinhos,
Trouxe as flores
Não são todas brancas, mãe
Mas são as flores frescas da manhã
Abriram ontem
E toda a noite as guardei
Enquanto coava o mel
E tecia o vestido
Não é branco, mãe
Mas serve à mesa do sacrifício
Trouxe a tacula
Antiga do tempo da avó
Não é espessa, mãe
Mas cobre o corpo
Trouxe as velas
De cera e asas
Não são puras, mãe
Mas podem arder toda a noite
Trouxe o canto
Não é claro, mãe
Mas tem os pássaros certos
Para seguir a queda dos dias
Entre o meu tempo e o teu
TAVARES, Ana Paula. Amargos como os frutos (poesia reunida). Rio de Janeiro: Pallas, 2011, p. 168.
Caro José Carlos
EliminarMuito obrigada por ter interrompido o seu recesso (votos de bons resultados) e vindo bater palmas pelo galardão atribuído a Ana Paula Tavares, bem merecido.
Consta de uma sua biografia que ela tem "construído uma voz literária em que o feminino, a terra e a ancestralidade se entrelaçam como fundamentos de uma memória coletiva". Tal como se vê no belo poema que me trouxe, que eu não conhecia, e que corrobora essa ideia.
O meu netinho ainda não se convenceu de que a escola é uma parte da vida, já apanhou duas viroses, tal como outros colegas. Tem dias que lhe apetece contar o que lá faz e outros em que nem por isso...:)))
Tenha um bom fim de semana, amigo.
Beijinhos
Olinda
Olinda, amiga,
Eliminarestive no Delito de Opinião e lá deixei meus aplausos pela escolha do blog da semana. Merecido a indicação do Xaile de seda. De fato, o seu blog prima pelas partilhas e conteúdo, sempre privilegiando a boa literatura
Aproveito para agradecer-lhe as notícias do miúdo.
Que tenhas uma semana produtiva!
bj
Meu amigo José Carlos
EliminarQue simpatia a sua e que belas palavras dedica ao Xaile de Seda,
o qual é enriquecido por leitores como o meu amigo que traz sempre
contributos preciosos à matéria que publico.
Os meus agradecimentos.
Beijinhos
Olinda
Boa tarde. Olinda, uma magnífica publicação. O drama que permeia o continente africano descrito pelas preciosas mãos dessa poetisa. Grata por compartilhar. Também agradeço ao José Carlos por sua postagem, uma bela seleção. Muita luz e paz. Uma ótima sexta-feira. Bjs
ResponderEliminarOlá, amiga Olinda.
ResponderEliminarBrilhante poema de Ana Paula Tavares. Traduzindo através da poesia, a luta dura do povo angolano.
Tive oportunidade de conhecer um pouco de Angola, no tempo da guerra colonial, quando lá estive no serviço militar. E vi com os meus próprios olhos a dura realidade daquele povo.
Excelente partilha!
Deixo os votos de um bom fim de semana, com tudo de bom.
Beijinhos, com carinho e amizade.
Mário Margaride
http://poesiaaquiesta.blogspot.com
https://soltaastuaspalavras.blogspot.com
Quem não esteve em África, não sentirá aquele aroma do ar quente que identifica a gente e os lugares.
ResponderEliminarGeniais Poemas de Ana Paula Tavares a convidar ir "ao Livro".
Obrigado, Olinda por mais este trazer á frente trabalhos notáves.
Beijo,
SOL da Esteva
Não conhecia.
ResponderEliminarIsabel Sá
Brilhos da Moda
Bonjour Olinda, merci pour cette célébration vibrante d’Ana Paula Tavares, dont la poésie est une mémoire vivante, une voix enracinée dans la terre, les femmes, et les silences millénaires. « Le massambala pousse à l’œil nu » quelle image saisissante de ce qui croît malgré l’avidité, malgré les mains vides et les regards superficiels, ton poème dit tout d’un peuple spolié, d’une terre convoitée, d’un cycle de passage et d’effacement et pourtant, la plante pousse, obstinée, témoin muet de ce qui reste, quant à MUKAI, c’est une incantation douce et puissante un chant de fécondité, de gestes transmis, de beauté quotidienne, Ana Paula Tavares mérite amplement le Prix Camões sa langue est une offrande, un souffle ancestral, une lumière dans les plis de l’histoire, merci pour ce partage précieux, et bon week-end à vous, sous les vents du Namib et les mots qui veillent, bisou, Régis.
ResponderEliminarVotre univers m’a touché par sa beauté singulière, sa lumière intérieure et la délicatesse de ses résonances, je me suis invité avec joie sur votre liste d’amis, honoré de pouvoir suivre vos créations, si le cœur vous en dit, je vous ouvre les portes de mon propre monde, tissé de mots, de souffle et d’élan poétique où chaque geste cherche à devenir offrande, ce serait un plaisir sincère de vous y accueillir, et de vous compter parmi celles qui inspirent et partagent, je vous souhaite un week-end doux, fertile en lumière et en instants suspendus, avec toute ma considération poétique.
꧁❃ © Régis-F-Au Fil de la Plume🦅❃꧂
Prémio mais que merecido.
ResponderEliminarGentil como sempre a sua partilha.
Gostei muito.
Abraço e brisas doces ****