Em dedicatória a Carlos Malheiro Dias, diz Aquilino Ribeiro, em "Terras do Demo":
" A acção decorre naqueles lugares onde a lenda se exprime ainda deste jeito:
"Uma vez um homem travou do bordão e partiu a correr as sete partidas do Mundo.
Andou, andou até que foi dar a uma terra de que ninguém faz ideia:
a gente comia calhaus e ladrava como os cães""
O sol ficava em casa de Deus, e os dias tinham a tristura das igrejas em semana de endoenças. Pelos morros, os pinhais, muito crestados da canícula, pareciam procissões de enterro, paradas a rezar.
O grande cão entrava sempre assim, enfarinhado de cinzas, manso, com a capa de penitente. Depois, rompia aos uivos que nem cem matilhas a um lobo. Por aqueles oiteiros arriba era o soão quem mais bramia, parecendo ora vozes a pedir misericórdia, ora bocas desdentadas de feiticeiras e despique danado. Os seres vivos acoitavam-se nos refolhos; raro uma lebre largava diante dos gados, animando a devesa imóvel de sua fuga alerta; um mocho, ao alto de uma penha, com a cabeça recolhida entre as asas, tinha o ar de quem espera o fim do Mundo.
O rio, aos pés da folha, num reboar constante de artilharias a trote, crescia até o rés das terras altas, tolhendo ao viandante e ao carteiro da vila com as cartas do Brasil o passo de alpoldras e pontões. O temporal abatia árvores, derrotava telhados, estoirava a madre às nascentes, alagava tudo, quase se via mais mar que terra. Nas noites luarentas, acendiam-se os charcos e eram espelhos, estendais de espelhos de lume vivo, onde a Lua e as estrelas se miravam, e até os anjos e Nossa Senhora, se chegassem a uma janelinha do céu, veriam o rosto fagueiro.
Nessas noitadas, o pensamento, não topando quebra, ia direitinho ao trono do Senhor. Ele, ou alguém por ele, lá devia estar segurando no ar a pesada bola da Terra, tocando a noite, trazendo o Sol, de volta, pelas portas do Oriente. Ele, que dava o pão e as cerejas, o vinho que fortalece e chega lume ao coração, a água fresca da fontainha ao viandante, a vida a uns e a morte a outros, bem repartindo tais dons, sem o quê não caberia a gente no Mundo!
Bendito fosse ele pelos séculos dos séculos, que em tudo era poderoso, na dor e na alegria, no amor e na raiva, na peste, na fome e na guerra, levando para o Céu lavradores e pobrezinhos, e atirando para as profundas do Inferno reis, doutores, papas, padres, escrivães da fazenda, e toda a cambada de grandes! Bendito ele fosse!
in: Terras do Demo
Pgs 146/148
Quando se fala em Aquilino Ribeiro lembramo-nos logo de TERRAS DO DEMO, mas também de A CASA GRANDE DE ROMARIGÃES, casa onde residiu o autor, de O MALHADINHAS e de tantos outros livros que integram a sua longa bibliografia.
Nutro um carinho muito especial pel'O LIVRO DE MARIANINHA, sua neta, do qual consta este maravilhoso poema, (publicado no Xaile de Seda).
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Aquilino Gomes Ribeiro, (1885 -1963) -
É considerado como um dos romancistas mais fecundos da primeira metade do século XX. Iniciou a sua obra em 1907 com o folhetim A Filha do Jardineiro e depois 1913 com os contos de Jardim das Tormentas e com o romance A Via Sinuosa, 1918, e mantém a qualidade literária na maioria dos seus textos, publicados com regularidade e êxito junto do público e da crítica.
Em 1960 é proposto para o Prémio Nobel da Literatura por Francisco Vieira de Almeida, proposta subscrita por José Cardoso Pires, David Mourão-Ferreira, Urbano Tavares Rodrigues, José Gomes Ferreira, Maria Judite de Carvalho, Mário Soares, Vitorino Nemésio, Abel Manta, Alves Redol, Luísa Dacosta, Vergílio Ferreira, entre muitos outros.
Em 1982, a 14 de Abril, é agraciado a título póstumo com o grau de Comendador da Ordem da Liberdade.
Aqui
Aberta ao público durante o mês de Agosto
Exposição/Literatura
Entretanto:
Siga este roteiro das Terras do Demo, com um texto muito interessante sobre a Vida e Obra de Aquilino Ribeiro.
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MEUS AMIGOS
ESTAREI AUSENTE POR UNS DIAS.
ABRAÇOS
OLINDA
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