sexta-feira, 25 de setembro de 2020

Insónias



Doravante 
gritarei no alto dos montes a minha ode ardente, a minha hossana à mãe-natureza. Nos braços do vento, nas ondas do mar, na brisa acariciante, na frescura da água cantarei, vibrarei.
Procurarei beleza no macadame, no barulho da cidade, nos carros que passam, nos escapes que fumegam. Nas torres de cimento, nas máquinas que rugem, na tecnologia obcecante, no burburinho, buscarei e encontrarei amor...

Doravante
deixarei a minha pena correr, livre e enlouquecida, afiada, de ponta em riste, louvando isto e aquilo. No bolo de 
arroz acariciando o palato de uma figura de Rubens, na obesidade de um Adónis, verei graça e encanto. Na Messalina perdida que oferece seus favores, na Vénus desnuda de seios palpitantes, verei sinal de missão. Do status quo retirarei apenas e só o inefável. Da vida vivida o suco. Da realidade a aparência. 
Qual 
Fénix renascerei.

Dinola Melo


Tenho os lábios secos, ó grandes ruídos modernos,
De vos ouvir demasiadamente de perto,
E arde-me a cabeça de vos querer cantar com um excesso. 
De expressão de todas as minhas sensações,
Com um excesso contemporâneo de vós, ó máquinas!

Exagero meu no que te diz respeito, Dinola.
Mas de exagero, exagero excessivo, sabe Álvaro de Campos. 
Quanto ao resto, uma pálida amostra.







=====
Ode Triunfal (referência) - Álvaro de Campos

50 comentários:

  1. Linda poesia dessa vez escolhida! Ótimo fds! Bjs,chica

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Olá, Chica

      Muito obrigada pela presença e comentário.
      Bom domingo.
      Beijo
      Olinda

      Eliminar
  2. Respostas
    1. Bom dia, Daniela

      Seja bem-vinda.
      Grata pela sua presença.
      Beijo
      Olinda

      Eliminar
  3. Respostas
    1. Olá, Cidália

      Gostei da sua presença e comentário.
      Muito amável.
      Beijo
      Olinda

      Eliminar
  4. Respostas
    1. Também para mim um prazer a sua visita.
      Bom domingo
      Beijo
      Olinda

      Eliminar
  5. Uma escolha excelente. Sabe bem sentir que as insónias também nos deixam sonhar.
    Obrigado, Olinda.

    Beijo
    SOL

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Olá, Sol da Esteva

      Sim. Insónia que é insónia tem de produzir alguma coisa.

      Abraço
      Olinda

      Eliminar
  6. Deixe a sua pena correr, para nos encantar com as suas belas e sentidas palavras.
    Bom fim de semana
    Beijinhos

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Obrigada pela visita e amável comentário.
      Boa semana.
      Beijo
      Olinda

      Eliminar
  7. Logo que comecei a ler o poema lembrei-me de Álvaro de Campos e com toda a razão!

    Abraço

    ResponderEliminar
  8. Com Dinola Melo também cantarei hossanas à mãe-natureza e "deixarei a minha pena correr, livre e enlouquecida, afiada, de ponta em riste, louvando isto e aquilo". Também os grandes ruídos modernos me secam os lábios e me enrouquecem a voz... Lindíssimo, minha Amiga Olinda.
    Um bom fim de semana.
    Um beijo.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. O que mais fazer neste mundo de pernas para o ar?
      Ruídos que incomodam muito e com os quais temos de viver.
      Grata por este belo comentário, querida Graça.
      Beijo
      Olinda

      Eliminar
  9. Caminho estonteante num mundo pandémico. Apetece, pois, ferir todas as tibiezas e furar os átomos e os sóis de todos os excessos. E, doravante, nada nos detém.
    Louvo o belo e provocador poema, querida Olinda.

    Beijos.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Bela interpretação, querida Teresa.
      Adorei. :)

      Beijo
      Olinda

      Eliminar
  10. (***)
    Encara-te a frio, encara a frio o que somos...
    Se queres matar-te, mata-te...
    Não tenhas escrúpulos morais, receios de inteligência!
    Que escrúpulos ou receios tem a mecânica da vida?

    Que escrúpulos químicos tem o impulso que gera
    As seivas, e a circulação do sangue, e o amor?
    Que memória dos outros tem o ritmo alegre da vida?
    Ah! Pobre vaidade de carne e osso chamada Homem.
    Não vês que não tens importância absolutamente nenhuma?
    (***)
    Olinda, Foi tão delicioso e oportuno o texto de Ricardo Pais (ODE TRIUNFAL)
    que decidi colocar aqui um brevissimo excerto. Pareceu-me adequado.

    Um bom fim de semana
    Um abraço!

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Corrijo: Onde se lê Ricardo Pais, deve ler-se Álvaro de Campos!
      (danos colaterais do sono)...eheheh

      Eliminar




    2. E continuando, um pouco mais:

      "És importante para ti, porque é a ti que te sentes.
      És tudo para ti, porque para ti és o universo,
      E o próprio universo e os outros
      Satélites da tua subjectividade objectiva.
      És importante para ti porque só tu és importante para ti.
      E se és assim, ó mito, não serão os outros assim?"

      Álvaro de Campos absolutamente verrinoso. As palavras ganham vida e ferem a prosápia dos seus alvos, sem remissão.

      Grata, caro A.S., por este contributo.
      Gostei muito.

      Abraço

      Olinda

      Eliminar
  11. confesso que tenho um certo fascínio pelo "vanguardismo futurista"
    a abrir as pletóricas janelas e as avenidas do Futuro, por onde perpassam
    "os guindastes da História" repletos de Técnica e de Engenheiros

    e, como sabe, o ideário "Futurista" inclui o culto e a glorificação do Corpo e um certo "amoralismo pagão", como bem compreende e se empolga "Dinola",
    no seu belíssimo texto - uma verdadeira "Ode Triunfal" ...

    a amiga Olinda é que parece travar-lhe o ímpeto - ao falar-lhe de "exageros" e ao conformar-se com a "pálida amostra" - sem, porventura, se dar conta de que assim travado o "ímpeto futurista" de Dinola amolece todo o texto e, então, a "devoradora" e "divina" Messalina é remetida à condição de mera meretriz e a "obesidade de Adónis" a um ridículo elemento decorativo, qual pisa papéis sobre a secretária.

    excelente, como (quase) sempre esta composição "futurista"
    peço desculpa, Olinda, se por acaso abusei da sua hospitalidade,

    abraço

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Tendência cultural deveras fascinante de princípios do século passado, com todos os excessos, desde o amor exacerbado às máquinas, à velocidade, até ao anti-tradicionalismo e com um conceito de beleza "sui generis".

      Presumo que Dinola estará gratamente emocionada com a sua defesa paladina. Quando a mim, a má da fita,:) desejo ardentemente uma revolução de ideias, um safanão em termos ideológicos e filosóficos, a fim de sairmos do marasmo em que nos encontramos.

      Manuel, meu caro amigo, muito obrigada pelo seu belo comentário.
      É sempre bem-vindo: mi casa es su casa.

      Abraço

      Olinda

      Eliminar
  12. A " Ode Triunfal " de Álvaro de Campos parece ter exageros, mas, depous de lida com cuidado vemos que não é tanto assim; o ser humano tem umas atitudes tão estranhas perante a evolução que vai acontecendo , tirando dela, quase sempre o pior, em vez de a aproveitar para também evoluir, tornando-se um ser cada vez melhor e mais humano. Não há exageros, mas sim, uma grande decepção perante o que vê, o que sente nessa modernidade ruidosa, creio eu.
    Também não consigo ver exageros no que diz respeito à " Dinola, amiga Olinda e seria bom que todos, " Doravante " dessem vivas à mãe natureza, cantassem a beleza das aguas dos rios e mares, apreciassem o vento, mesmo que gélido ; que todos nós, " doravante" soubessemos viver dando importância aquilo que realmente interessa, nos preocupassemos com a essência e não com os rótulos, que " doravante" tirassemos da situação que estamos a viver, a mais bela das lições, sermos " doravante " mais fraternos, mais solidários, mais atentos ao que se passa ao nosso redor, mesmo que a máscara por vezes nos dificulte o reconhecimento, deste ou daquele. Se quisermos, " doravante " poderemos todos ser melhores cidadãos. Obrigada, Olinda, por me dares a conhecer a Ode Triunfal e também pelas belas e sentidas palavras da Dinola Melo,
    Fica bem, com SAÚDE para todos aí em casa e, claro, noites bem dormidas, sem insonias...Beijinhos mil, querida Olinda!
    Emilia

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Querida Emília

      Palavras certas - quase ideário - que deveriam acompanhar-nos pela vida.

      Respeitar-nos uns aos outros, respeitar e amar a natureza, evoluindo em cada um dos nossos passos.

      E um desejo fulcral em que nos deveríamos focar:
      ...que " doravante" tirassemos da situação que estamos a viver, a mais bela das lições, sermos " doravante " mais fraternos, mais solidários, mais atentos ao que se passa ao nosso redor,..."

      Minha amiga, lindíssimo o teu comentário. Muito obrigada

      Beijos

      Olinda

      Eliminar
  13. A mãe natureza merece os mais belos cantos, enquanto a ruidosa realidade pede silêncio. Tudo pode merecer atenção da pena que desliza, mas nem todos os resultados do que ela oferece são prazerosos. Parabéns, Olinda, por essa rica postagem! Bjs.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Querida Marilene

      Certíssimo o que diz. A pena pode deslizar, apontando isto e aquilo, mas o que vier depois agradará a todos?

      Obrigada, minha amiga, pela visita e comentário.

      Beijos
      Olinda

      Eliminar
  14. Leveza poética fascinante de ler. Gostei muito.
    .
    Saudação amiga
    Um domingo feliz

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Grata, caro Ryk@rdo, pela sua presença
      e comentário tão atencioso.

      Abraço

      Olinda


      Eliminar
  15. A facilidade com que entrelaça autores é extraordinária!
    Beijo, querida Olinda.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Sempre amiga, querida Ana.
      O teu olhar sobre o que se passa, aqui,
      no Xaile é importante prazeroso.

      Beijo
      Olinda

      Eliminar
    2. ...importante e prazeroso.

      Eliminar
  16. Identifico-me com o que escreveste e gostei de te ler...

    Andamos afastadas sem motivo, penso eu.
    Quero convidar-te para comemorar o meu aniversário, amanhã, no 'A Vivenciar'
    Abraços carinhosos de boa amizade.
    ~~~~

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Olá, Majo

      O Verão, as férias, as pausas...
      Por fim vamos deixando para amanhã as visitas
      e o tempo passa :)

      Lá estarei, minha amiga, para a comemoração.

      Beijos
      Olinda

      Eliminar
  17. Conhecimentos técnico de crítica literária , não possuo.Pelo que só me posso fiar de um gosto pessoal trabalhado anos a fio pela leitura e reflexão .

    Assim sendo, digo que me agradou muito o texto.

    Beijinho, boa semana :)

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Querida São

      Muitas vezes é mais de fiar o nosso bom gosto e sensibilidade
      do que técnicas propriamente ditas. :)

      Muito obrigada.

      Beijo
      Olinda

      Eliminar
  18. Por mais dependente que o homem seja das máquinas, não pode alhear-se da importância da envolvência da mãe natureza. A excessiva dependência tecnológica transforma a nossa sociabilidade numa comunicação apenas virtual.
    Humanizar é preciso.
    Abraço.
    Juvenal Nunes

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Sim, Humanizar é preciso:
      Voltar a imprimir às coisas o nosso toque
      pessoal e o regresso à simplicidade,
      aproveitando da tecnologia apenas o essencial.

      Obrigada, Juvenal.

      Abraço
      Olinda

      Eliminar
  19. Olá, como está!

    Gostei muito da sua postagem1


    Saudações outonais!

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Obrigada, Vieira Calado.

      Abraço

      Olinda

      Eliminar
    2. Olá, Amigo

      Alterou o acesso ao seu blog?

      Abraço
      Olinda

      Eliminar
  20. Os ruídos modernos não fazem bem aos nossos ouvidos nem a nossa alma. O ruido do vento, da chuva ou das ondas esses nos causam prazer.Belo texto parabéns!
    Boa noite e ótimo fim de semana.
    Abraço.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Olá, Poetisa Carol

      Bem-vinda e obrigada pelo lindo comentário.
      Digamos que somos parte integrante da natureza,
      circunstância de que nos esquecemos, muitas
      vezes.:)

      Boa semana.

      Abraço
      Olinda

      Eliminar
  21. Bom dia de sábado, querida amiga Olinda!
    Por sorte não tenho insônia. Considero uma grande benção uma noite de bom sono.
    Florescer como fênix... Linda essa capacidade de resiliência produzida em nós.
    Da insônia, nascem as mais preciosas pérolas.
    Tenha um ótimo final de semana abençoado!
    Bjm carinhoso e fraterno

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Bom dia, querida Rosélia

      Ah, as insónias, essas incómodas...
      Há ocasiões em que nos induzem alguma coisa
      de útil e noutras são cansativas.

      Boa semana, minha amiga.

      Beijo
      Olinda

      Eliminar
  22. Relendo buscando um futuro que está ali adiante.

    Beijo
    SOL

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Olá, Sol da Esteva

      Sensibilizada com a sua re-leitura.
      Há sempre um futuro à nossa espera :)

      Abraço
      Olinda

      Eliminar