sexta-feira, 18 de janeiro de 2019

Heróis trágicos da República

Os valores da República ou os que deveriam nortear a República são relembrados todos os anos. De um ano ao outro parecem, contudo, ser esquecidos. Com isto não quero dizer que não haja gente de muito boa vontade que trabalhe para o bem comum. Sempre que as instituições claudicam temos todos a esperança de que apareça alguém que lhes deite a mão. Temos impregnada em nós a síndrome do encoberto, de que alguém aparecerá do nada para resolver os nossos problemas. Acabamos por não avaliar verdadeiramente o que está mesmo à frente do nosso nariz. Especialistas em aplicar paninhos quentes, enrodilhamo-nos em casos que seriam anedóticos se não tivessem um cariz de muita gravidade.

Voltando ao passado, relembro aqui três homens de quem já falei em outras publicações deste blog. A diferença é que os apresento, desta feita e por minha conta e risco, com a auréola de heróis trágicos, no contexto da 1ª República. Não direi que trazem todas as características do herói trágico de Aristóteles. Só que noto neles uma heroicidade e uma tragédia que me fazem pensar e que me incomodam pelo insólito das suas mortes.

Conspiradores, revolucionários, republicanos. São eles, Miguel Augusto Bombarda, Carlos Cândido dos Reis e António Machado Santos. Os dias 2, 3 e 4 de Outubro de 1910, seriam cruciais nas suas vidas, acreditando eles que iriam todos poder festejar a implantação da República. Reza a História que Miguel Bombarda é atingido mortalmente por um doente mental, no dia 3; Cândido dos Reis, à ultima hora, é invadido por dúvidas e suicida-se no dia 4; quem se aguenta até ao fim é Machado Santos que ficou conhecido como o "herói da rotunda", mantendo depois uma vida política activa, para vir a ser assassinado na noite sangrenta, de 19 de Outubro de 1921, quando a camioneta fantasma andou a ceifar vidas, caçando-as nas suas casas e, em muitos casos, no seio das suas famílias.

Machado Santos seria feito senador e ocuparia cargos ministeriais no governo de Sidónio Bernardino Cardoso da Silva Pais, o mesmo Sidónio Pais que com um golpe de Estado ascende a Presidente da República em 1917 e, de forma ditatorial, suspende e altera por decreto algumas normas da Constituição de 1911, inaugurando assim a República Nova. Com a auréola de herói, nasce o Presidente-Rei, epíteto grafado por Fernando Pessoa no seu extenso poema, "À memória do Presidente-Rei Sidónio Pais".


"(...)
Se Deus o havia de levar,
Para que foi que no-lo trouxe
Cavaleiro leal, do olhar
Altivo e doce?
Soldado-rei que oculta sorte
Como em braços da Pátria ergueu,
E passou como o vento norte
Sob o ermo céu.
Mas a alma acesa não aceita
Essa morte absoluta, o nada
De quem foi Pátria, e fé eleita,
E ungida espada.
Se o amor crê que a Morte mente
Quando a quem quer leva de novo
Quão mais crê o Rei ainda existente
O amor de um povo!
Quem ele foi sabe-o a Sorte,
Sabe-o o Mistério e a sua lei
A Vida fê-lo herói, e a Morte

O sagrou Rei!
(...)"

Sidónio morre assassinado, a 14 de Dezembro de 1918, à entrada da estação de comboios do Rossio, criando-se-lhe assim a imagem de mártir. A sua acção no âmbito de uma República recém-nascida, com instituições criadas diferentemente do regime destituído a 5 de Outubro de 1910, deveria ser interpretada como? Poder-se-ia falar já em populismo esse bicho-de-sete-cabeças de que se fala tanto e quase ninguém sabe bem o que é?

Grandes transformações no panorama mental em relação a ideologias estão a verificar-se. Se há uns anos os espaços ocupados por partidos de esquerda e de direita eram compreendidos por toda a gente, hoje andamos à deriva. Suponho que os conceitos que lhes serviram de base estão um tanto esvaziados de conteúdo. E quanto a debate de ideias, ideários políticos? Tudo aponta no sentido de que estamos a viver já uma nova Era. Até onde nos levará é que é a grande incógnita.


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Ler no "Xaile de Seda": Os desaires da 1ª República


13 comentários:

  1. Um excelente texto que me deu a conhecer Três grandes homens dos quais eu, pobre ignorante só conhecia o nome.
    Abraço e bom fim-de-semana

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  2. Gostei muito do artigo. E concordo que é, de facto, uma incógnita o caminho que vai tomar a política nacional.
    Esperemos que o povo acorde.
    Bom fdsm

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  3. Começando pelo fim, há mesmo um vazio de ideias. Os políticos funcionam na peugada da agenda mediática e, deste modo, não há novas ideias...
    Este resumo histórico está muito bem feito, já que congrega alguns dos episódios marcantes do primeiro quartel do século passado.
    Olinda, um bom fim de semana.
    Beijo.

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  4. Tão importante este «post»!
    Querida Olinda, concordo tanto.

    Beijinho e bom fim-de-semana.

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  5. A excelência do teu relato, faz notar o retrato de ideais que foram caminho para "aproveitamentos". Já no final realças ( e muito bem) as evidências dos caminhos que (hoje)se trilham: vazio de ideias e de ideais; sem Rei nem Roque.
    É isto que nos Governa.


    Beijo
    SOL

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  6. O regicídio de de 1908, abriu essa comporta de violência,
    onde imperava a ambição.
    Os assassinatos não foram apenas físicos, também os houve
    políticos, como o caso do nosso 1º Presidente da República,
    Manuel de Arriaga.
    Acusado injustamente, escreve um livro sobre o seu mandato
    e morre pouco depois de desgosto.
    Era açoriano, conterrâneo de minha mãe.
    A prática de assassinatos políticos continua a vigorar.
    Infelizmente, ainda não me apercebo dessa «nova era» que refere.
    No entanto, o modelo em vigor internacionalmente está muito gasto.
    Gostei de refletir sobre o assunto, Olinda.
    Beijinhos
    ~~~~

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  7. Excelente, amiga Olinda, excelente!
    Há que lembrar para alertar consciências.
    Beijo e bom domingo.

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  8. Interessante revisitação histórica sobre um capítulo que até aqui nos trouxe. A revolução aconteceu para que os trilhos do sucesso fossem uma realidade. E lembrar aqueles a quem cortaram asas é uma homenagem merecida. Passo, de metro, na estação Cândido dos Reis, e recordo aquele malfadado tiro.
    E, também, é verdade que uma sensação de "barco à deriva" não nos abandona.

    Beijo meu, querida Olinda.

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  9. Trago esse poema de Pessoa e a sua pulsão "sidonista" atravessados na garganta, desde há anos! rsss

    mas que fazer? aos poetas geniais tudo se desculpa?

    um texto bem oportuno. a Democracia não pode dar-se como adquirida para sempre! há que saber construí-la todos os dias!
    não é verdade, Olinda?

    abraço

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  10. Minha Amiga, que lição de história aqui nos deixas. Eram tempo difíceis esses. Mas os de agora são de deriva e incógnita como dizes. O que vamos vendo a espalhar-se pelo mundo deixa-nos inquietos. É preciso não baixarmos os braços à espera do D. Sebastião. Deus nos livre dos salvadores da pátria. Que haja bom senso…
    Uma boa semana, Olinda.
    Um beijo.

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  11. Acabei de ler de Pulido Valente um livro sobre esse conturbado período, mais caótico ainda do que aquilo que eu já sabia


    Abraço, boa semana

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  12. Pois, a morte por suicídio e a causada pelo doente mental foram bem a calhar, digamos assim...
    Obrigada por esta útil memória histórica, Olinda!
    Beijinhos

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