À entrada da cidade o trânsito intensifica-se e, alguns metros mais à frente, bifurca-se. Parte dele segue pelo túnel e outra parte pela superfície. Aqui, surge o primeiro semáforo e do lugar onde me encontro consigo ver a vida que se agita, em azáfama, nos segundos que dura a paragem forçada dos carros. Mulher de lenço na cabeça com uma braçada de jornais ou revistas oferece exemplares aos condutores dos veículos, mulheres e homens de coletes reflectores aparecem com papelinhos na mão, talvez rifas, e também miúdos com o que me parece ser pensos rápidos. O tempo urge, mas nem todas as janelas se abrem.
No meio disto, vislumbro algo inusitado, para mim: um jovem na passadeira a produzir para os carros parados um espectáculo de malabarismo, com três, quatro, cinco peças, como se tivesse todo o tempo do mundo. Começo a pensar já com uma certa ansiedade se ele conseguirá acabar em pleno o seu intento, se ele está com atenção aos sinais. Mas eis que com elegância recolhe as peças e faz duas vénias, cabelos longos em movimento para a frente e para trás, saltando de seguida para o passeio mesmo a tempo, sem um segundo a mais ou a menos.
Minutos depois saio do autocarro e desço as escadas que me conduzem ao metropolitano. Mas antes tenho de ir à casa de banho ou retrete ou WC. Encontro o que procuro. As casas de banho públicas têm quase todas o mesmo aspecto, não só são pequeníssimas como o asseio deixa muito a desejar. Penduro a mala ao pescoço, não há um ganchinho sequer como sempre, e faço a ginástica que todas as mulheres conhecem. Nisto os meus olhos são atraídos pela escrita que povoa as portas desses recintos. Declarações de amor, "amo-te Filipe", "amo-te Diana", bem como toda a espécie de desabafos com linguagens da mais variada gradação. Dir-se-ia tratar-se de um receptáculo privilegiado para os momentos em que o nosso lado mais básico se apresenta, sem vernizes.
Porém, entre os milhentos dizeres um deles destaca-se pelo trocadilho ou, quem sabe, pela intenção: "O diabo veste farda".*
Desejo-vos uma boa semana ou então, desde já, um bom fim-de-semana.
Abraço.
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Imagens net
Um texto muito interessante.
ResponderEliminarEstou de volta amiga.
Um abraço
Comecei a ler, com interesse, entrando no teu percurso descritivo (que é, também, tantas vezes, o meu) e captação visual; sorrio quando chegas à parte do malabarismo: senti exatamente o mesmo, há umas semanas no Porto (numa das idas para ver o meu neto) quando me deparei, pela 1ª vez, com esta variante no espaço de tempo entre o vermelho e o verde. Na próxima, já saberei que terminá a tempo! Depois, uma delícia! Essa atrapalhação aquando da necessidade de ir a a um WC público assemelha-se a um exercício malabarista e a leitura desses mimos, acabam por nos distrair e até surpreender (como a que trancreveste).
ResponderEliminarParabéns pelo texto!
Bj, Olinda 😊