quarta-feira, 25 de maio de 2016

Não tenho pressa. Pressa de quê?

E para quê se a Terra continua na sua rotação, imperturbável, rolando os dias e as noites em que todos os elementos seguem o seu trilho pré-estabelecido? Bom mesmo é aproveitar o Sol, quando faz Sol, a chuva quando chove e a brisa, marítima ou do campo, quando nos acaricia a face. Enquanto isso, costuremos emoções, boas emoções, nos pensamentos que nos visitam. Sigamos o Mestre, homem sem pressas, um guardador de rebanhos que almeja trincar a terra toda.  





Não Tenho Pressa


Não tenho pressa. Pressa de quê?
Não têm pressa o sol e a lua: estão certos.
Ter pressa é crer que a gente passa adiante das pernas,
Ou que, dando um pulo, salta por cima da sombra.
Não; não sei ter pressa.
Se estendo o braço, chego exactamente aonde o meu braço chega -
Nem um centímetro mais longe.
Toco só onde toco, não aonde penso.
Só me posso sentar aonde estou.
E isto faz rir como todas as verdades absolutamente verdadeiras,
Mas o que faz rir a valer é que nós pensamos sempre noutra coisa,
E vivemos vadios da nossa realidade.
E estamos sempre fora dela porque estamos aqui.

Alberto Caeiro
(F.Pessoa)

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Poema (Poemas Inconjuntos): Citador
Imagem:Pixabay

domingo, 1 de maio de 2016

Pequeno Poema - Sebastião da Gama

Quando eu nasci,
ficou tudo como estava.

Nem homens cortaram veias,
nem o Sol escureceu,
nem houve estrelas a mais...
Somente,
esquecida das dores,
a minha Mãe sorriu e agradeceu.

Quando eu nasci,
não houve nada de novo
senão eu.

As nuvens não se espantaram,
não enlouqueceu ninguém...

Pra que o dia fosse enorme,
bastava
toda a ternura que olhava
nos olhos de minha Mãe...

Sebastião da Gama

in 'Antologia Poética'


Sebastião Artur Cardoso da Gama, poeta, professor. Apaixonado pela Serra da Arrábida. Na sequência do seu pedido para a defesa da serra foi criada a LPN, Liga para a protecção da Natureza, em 1948, a primeira associação ecologista portuguesa.

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Poema retirado do Citador

Poética do Eremita e Estado da Nação




Poética do Eremita

No deserto estão secas as pedras que
                              no mar
se molhavam. A semelhança confunde
o eremita que solitário de mais passou
o tempo entregando-o à isolada memória.
Aqui, a pedra seca, para o eremita,
não perdeu a qualidade húmida
de poder ter estado ao pé do mar.

Fiama Hasse Pais Brandão 
(1939-2007)
Obra Breve






Estado da Nação

Agora que os carros molhavam a berma
afilados os deveres
quem nos bloqueou as rodas por falta de triângulo?
Que língua nos abriu a mala do carro
na nossa ausência?
Havemos de ir sempre de férias?
Devemos sempre um quinto do que gostamos?
Nada se dá nada se tira
a mala vazia é um mau prenúncio.

Quem atirou fora, na pressa,
a minha primeira caligrafia, como é que eu sei?

Parei porque tinha que ali parar.
Qual de vocês é da mesma patente que eu?
É meu, o desgoverno?
Osso por osso, é a mala vazia
a minha radiografia não sei se foram vocês
selvagem é o vosso estacionamento.

Sérgio Godinho
(1945)
O Sangue por um Fio

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In: Poemário- Assírio & Alvim
2012


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Daqui vos saúdo, meus amigos.
Trago, hoje, estes dois poemas, de Fiama Brandão e de Sérgio Godinho, tão-somente como belos poemas que são, sem a intenção de os projectar na vida real. 
Estamos, de resto, a viver momentos da vida nacional muito interessantes, uns mais que outros, momentos esses que ficarão na História. Caberá aos historiadores a tarefa de fazer a sua análise, com o distanciamento devido.

Envio uma palavra de carinho a todas as Mães que por aqui passarem.

Um abraço.