Um ano
depois da Formatura, Gonçalo foi a Lisboa por causa da hipoteca da sua quinta
de Praga, junto a Lamego, que certo foro anual de dez réis e meia galinha,
devido ao abade de Praga, andava empecendo terrivelmente nos Conselhos do Banco
Hipotecário; - e também para conhecer mais estreitamente o seu chefe, o Braz
Victorino, mostrar lealdade e submissão partidária, colher algum fino conselho
de conduta Política.
Ora uma
noite, voltando de jantar em casa da velha Marquesa de Louredo, a "tia
Louredo", que morava a Santa Clara, esbarrou no Rossio com José Lúcio
Castanheiro, então empregado no Ministério da Fazenda, na repartição dos
Próprios Nacionais. Mais defecado, mais macilento, com uns óculos mais largos e
mais tenebrosos, o Castanheiro ardia todo, como em Coimbra, na chama da sua
Idéia -"a ressurreição do sentimento português!"
E agora,
alargando a proporções condignas da Capital o plano da Pátria, labutava
devoradoramente na criação duma revista quinzenal, de setenta páginas, com capa
azul, os Anais de Literatura e de História. Era uma noite de maio, macia e quente.
E, passeando ambos em torno das fontes secas do Rossio, Castanheiro, que
sobraçava um rolo de papel e um gordo fólio encadernado em bezerro, depois de
recordar as cavaqueiras geniais da rua da Misericórdia, de maldizer a falta de
intelectualidade de Vila Real de Santo Antônio - voltou sofregamente à sua
Idéia, e suplicou a Gonçalo Mendes Ramires que lhe cedesse para os Anais esse
Romance que ele anunciara em Coimbra, sobre o seu avoengo Tructesindo Ramires,
Alferes-Mor de Sancho I.
Gonçalo,
rindo, confessou que ainda não começara essa grande obra!
- Ah! -
murmurou o Castanheiro, estacando, com os negros óculos sobre ele, duros e desconsolados.
- Então você não persistiu?... Não permaneceu fiel à Idéia?...
Encolheu
os ombros, resignadamente, já acostumado, através da sua missão, a estes desfalecimentos
do Patriotismo. Nem consentiu que Gonçalo, humilhado perante aquela Fé que se
mantivera tão pura e servidora - aludisse, como desculpa, ao inventário
laborioso da Casa, depois da morte do papá...
- Bem,
bem! Acabou! Procrastinare lusitanum est. Trabalha agora no verão... Para
Portugueses, menino, o verão é o tempo das belas fortunas e dos rijos feitos.
No verão nasce Nuno Álvares no Bonjardim! No verão se vence em Aljubarrota! No
verão chega o Gama à índia!... E no verão vai o nosso Gonçalo escrever uma
novelazinha sublime!... De resto os Anais só aparecem em dezembro,
caracteristicamente no primeiro de dezembro. E você em três meses ressuscita um
mundo. Sério, Gonçalo Mendes!... É um dever, um santo dever, sobretudo para os
novos, colaborar nos Anais. Portugal, menino, morre por falta de sentimento
nacional! Nós estamos imundamente morrendo do mal de não ser Portugueses!
Gonçalo acaba por escrever a tal novela.
Porém, toda a narrativa de Gonçalo não passa de uma
versão em prosa, frouxa e mal elaborada de um poema escrito anos atrás por um
tio e publicado num jornal de província. Seus talentos literários não passam da
mal dissimulada cópia, como sua estrutura moral não passa de um jogo hábil
entre interesse e conveniência social. aqui
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Imagem: aqui
Querida amiga Olinda
ResponderEliminarQual a melhor forma de começar o ano? (literalmente falando)
Eça de Queiroz!
O nosso Eça, que considero o maior escritor português de todos os tempos (sem desprimor para muitos outros, escritores portugueses de alto gabarito)
Conheço, possuo, e, logicamente, li toda a sua obra. E muitos de seus romances foram lidos "algumas" vezes.
Minha querida, quero desejar-te um 2016 por excelência.
Tudo de bom para ti e os teus.
Beijinhos
MARIAZITA / A CASA DA MARIQUINHAS
Acabei de ler José Matias de Eça de Queirós.
ResponderEliminarE agora segue-se O corcunda de Notre Dame. Nenhum deles lido anteriormente.
Tenho outros na calha, mas durante a época escolar tenho que ler o que o programa impõe. E não sei se viu, mas graças a Deus, e a um professor português em Espanha, já publiquei o meu primeiro livro.
Um abraço e bom ano.
A ilustre prosa de Eça de Queirós...
ResponderEliminarBjs
Na luz de um fósforo
ResponderEliminarBj
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ResponderEliminarTenho a obra completa, mas ao tempo que não abro este livro!
Ainda há alguns lusitanos praticando descaradamente plágio, a
nível da blogosfera. Já admoestei duas vezes o mesmo, que acabou
por dignar-se colocar em itálico, a parte do texto que não era da
sua autoria. Depois, andou distribuindo cumprimentos natalícios a
verdadeiros autores meus amigos.
Fico mais zangada, porque o seu discurso parece sermão de padre.
Eça quis mostrar neste livro o valor da obra literária escrita
com criatividade, pesquisa e muito esforço.
Nessa época era um trabalho deveras laborioso...
~ Nunca gostei da maneira como Eça deprecia os portugueses..
~ Gonçalos Ramires há-os em todas as nacionalidades...
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~~~Beijinhos, Olinda. ~~~
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Delicioso reler Eça de Queiroz! Curiosamente, nunca li esta obra, é das poucas que me faltam.
ResponderEliminar"E você em três meses ressuscita um mundo." Estava eu há poucos minutos a pensar que só temos de aguentar mais Janeiro e Fevereiro, porque daqui a nada já estamos em Março...
Beijinhos, feliz 2016 :)
"Gonçalo", português do Mundo, adiou, como bem sabem fazer os Portugueses que somos.
ResponderEliminarAh! Eça, Eça!... Espero concretizações em vidas não adiadas!
Que o teu ANO, Olinda, seja de realizações e alegria.
Beijo
SOL
Olá, querida Olinda!
ResponderEliminarComo está? Desejo k mto bem.
Não sei, não sei, se o movimento de rotação da terra se continuará a fazer durante 24h e à volta do seu eixo imaginário e se o de translação continuará a realizar-se à volta do sol. Estou "preocupada" com estas questões, porque "todo o mundo é composto de mudança".
Mais uma vez, Eça no seu blogue, e faz muito bem em trazê-lo "à baila", pke é uma excelente e inteligente forma de nos pôr a meditar e a soltar a imaginação, e algumas mto provavelmente parecem libertar-se em domínios k desconhecem totalmente.
Conheço, li e reli o referido romance que foi publicado no ano em k o escritor morreu, 1900, e k corresponde à fase mais madura, o k não significa mais ou menos consciente, da sua escrita. Ironia, qto baste e crítica, como sempre, a roçar a corrosividade, com a qual nem sempre estou de acordo. É Eça! Seria ele perfeito nas suas atitudes e desempenhos? Há bom e mau em qualquer lugar, e Paris, cidade luz, onde Eça viveu e morreu, tem recebido gente e gente, "gentalha" de toda a espécie.
Pois, adiar é português, sem dúvida. Deixa-se tudo para o fim e não sei ainda quais os motivos de tal procedimento. Eu fujo um pouco à regra, e mtas vezes antecipo-me mto e só depois vejo que não procedi da melhor forma.
Dias felizes.
Beijos com estima!
Às vezes também me dá desses ataques lusitanos de procrastinação, o que não é nada bom :( A ver se resolvo isso neste novo ano!
ResponderEliminarBeijinhos e um excelente Ano (com exercício físico também)
Era muito nova quando li este livro de Eça.
ResponderEliminarQuerida Olinda, obrigada pela ida ao meu blogue, pois eu estou sem contactos : aparecem e desaparecem
Bom ano
Li atentamente o texto.
ResponderEliminarDesejo que a amiga se encontre bem.
Bj.
Irene Alves
Devia ter uns 15 anos quando li pela primeira vez este livro. Reli-o uns 10 anos depois e apreciei-o muito melhor. Eça foi um escritor notável.
ResponderEliminarBom resto de semana, querida amiga Olinda.
Beijo.
eu sou portugues da serra .... jajaja
ResponderEliminarAdorei este livro, que li pela primeira vez há cerca de ano e meio :) Na altura, escrevi: «uma incursão deliciosa pela segunda metade do século XIX, como só Eça de Queirós sabe fazer, salpicada com incursões no reinado de D. Afonso II. Recomendo vivamente! Viva o Eça!»
ResponderEliminarMudando de assunto: penso realmente que deixei de receber o "feed" do seu blogue. A Olinda falou neste problema há algumas semanas, quando deu conta de que deixou de ter bastantes seguidores de repente. E de facto eu só aqui chego se clicar no nome do blogue, penso não receber nada na minha lista de "feeds" :(
Pelo sim, pelo não, vou tornar-me novamente seguidora, a ver se resulta ;)
Beijinho
Relendo os clássicos...
ResponderEliminarAlguem me pode explicar o significado desta frase e o que é esta se referir? Procrastinare lusitanum est
ResponderEliminarSobre procrastinar ou procrastinação lê-se aqui:
Eliminarhttps://ncultura.pt/lingua-portuguesa-procrastinar-ou-procastinar/
"Procrastinação é o adiamento ou diferimento de uma ação. Para a pessoa que está a procrastinar, isso resulta em perda de produtividade, stress, sensação de culpa e vergonha em relação aos outros, por não cumprir com os seus compromissos e as suas responsabilidades.
Embora a procrastinação seja considerada normal, torna-se um problema quando impede o funcionamento normal das ações. A procrastinação crónica pode ser um sinal de problemas fisiológicos ou psicológicos.
(...)"
Através do que é dito acima se poderá encontrar explicação para a expressão "Procrastinare lusitanum est" que aparece em "A ilustre Casa de Ramires", de Eça de Queirós .