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vieram de mim os
longos sóis e os longos dias.
vieram de mim o arrastar dos bancos, os cânticos das
igrejas,
e vim eu, senhor do meu nariz, nobre sem títulos nem
castelos,
nem divisas,
duma pequena ilha, perdida numa concha
de mar, onde nasci. era a primeira vez
que eu abria os olhos, e senti-me rei e marinheiro. Estava
embrulhado numa alga, e adormecia numa gruta, adornada
por búzios quietos.os peixes visitavam-me e afastavam
os murmúrios, os gritos, os monstros pelados,
e o eco da minha
voz que habitavam os meus sonhos.é por
isso que me revesti da luz cintilante das suas escamas
e tenho, dizem-no as mulheres que desconheço, um suor
sem perfume, um suor sem matéria, enquanto que o meu
corpo
tem encanto do
cheiro a maresia.*
José António Gonçalves
E, para falar de mim, oh para falar de mim, tenho, na verdade, a meu favor os longos sóis e os longos dias de raízes entrançadas no caldo de culturas milenares. De ecos perdidos e achados no fundo do mar, de histórias de príncipes e princesas que viveram felizes para sempre e que venceram monstros e bruxas montadas em cabos de vassoura, de histórias de heróis, mitos e lendas transmitidas por griots nas cubatas, em noites de lua cheia.
Acordei do meu sono profundo nas ilhas afortunadas, desenleei-me das algas que me prendiam, eu, sereia, desenvolvi pés e ganhei mundo.
E assim como o priolo que voa e resiste, sobrevive e avança, eu, na trama que envolve os meus dias, desembaraço-me dos fios que atam os meus gestos e avanço.
José António Gonçalves
E, para falar de mim, oh para falar de mim, tenho, na verdade, a meu favor os longos sóis e os longos dias de raízes entrançadas no caldo de culturas milenares. De ecos perdidos e achados no fundo do mar, de histórias de príncipes e princesas que viveram felizes para sempre e que venceram monstros e bruxas montadas em cabos de vassoura, de histórias de heróis, mitos e lendas transmitidas por griots nas cubatas, em noites de lua cheia.
Acordei do meu sono profundo nas ilhas afortunadas, desenleei-me das algas que me prendiam, eu, sereia, desenvolvi pés e ganhei mundo.
Que voz vem no som das ondas
Que não é a voz do mar?
E a voz de alguém que nos fala,
Mas que, se escutarmos, cala,
Por ter havido escutar.
E só se, meio dormindo,
Sem saber de ouvir ouvimos
Que ela nos diz a esperança
A que, como uma criança
Dormente, a dormir sorrimos.
São ilhas afortunadas
São terras sem ter lugar,
Onde o Rei mora esperando.
Mas, se vamos despertandoCala a voz, e há só o mar. **
Fernando Pessoa
E só se, meio dormindo,
Sem saber de ouvir ouvimos
Que ela nos diz a esperança
A que, como uma criança
Dormente, a dormir sorrimos.
São ilhas afortunadas
São terras sem ter lugar,
Onde o Rei mora esperando.
Mas, se vamos despertandoCala a voz, e há só o mar. **
Fernando Pessoa
E assim como o priolo que voa e resiste, sobrevive e avança, eu, na trama que envolve os meus dias, desembaraço-me dos fios que atam os meus gestos e avanço.
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Poemas de:
*José António Gonçalves, "Para falar de mim",
** Fernando Pessoa, "Ilhas Afortunadas".
** Fernando Pessoa, "Ilhas Afortunadas".