Rio-me, sim, rio-me
para ver se se solta a carne desta caveira
coberta de simulacros de vida
para ver se se solta a carne desta caveira
coberta de simulacros de vida
Rio-me sim rio-me do que fazem
do que crêem, de tudo o que todos usam
e eu-mesmo o fiz e cri como qualquer
até que do asco me despeguei disso tudo
pra morrer de verdade, sem fingir.
Ri-me e espantei-me de me ter rido assim
ri-me por não poder suportar
sentir a morte em mim
Que a morte seja eu quem a mereça
e não o limite até onde eu possa suportar.
Por todos já morreu um há séculos
e repeti-lo é sempre por todos.
Por todos é no que não creio.
Morrer por todos é o que fazemos cada um
mesmo sem querer.
Mas morrer por cada um,
sobretudo se se é o próprio
é mais do que morrer por todos.
Admiro a renúncia mas não em mim
que renunciado nasci de herança.
Morro por mim.
Devo ao meu sangue aqueles dias
de que gerações inteiras se privaram.
Sou um exemplar daquela humanidade que hoje apenas a sabemos sonhar
uma lembrança viva de quando tudo era vivo até cada um.
Trouxeram-me clandestino através das tribos, das raças, de catacumbas e de catedrais
d’Impérios, de Revoluções, de guerras
e das mais maneiras que dizem respeito a todos.
A todos! eis o que me faz morrer.
do que crêem, de tudo o que todos usam
e eu-mesmo o fiz e cri como qualquer
até que do asco me despeguei disso tudo
pra morrer de verdade, sem fingir.
Ri-me e espantei-me de me ter rido assim
ri-me por não poder suportar
sentir a morte em mim
Que a morte seja eu quem a mereça
e não o limite até onde eu possa suportar.
Por todos já morreu um há séculos
e repeti-lo é sempre por todos.
Por todos é no que não creio.
Morrer por todos é o que fazemos cada um
mesmo sem querer.
Mas morrer por cada um,
sobretudo se se é o próprio
é mais do que morrer por todos.
Admiro a renúncia mas não em mim
que renunciado nasci de herança.
Morro por mim.
Devo ao meu sangue aqueles dias
de que gerações inteiras se privaram.
Sou um exemplar daquela humanidade que hoje apenas a sabemos sonhar
uma lembrança viva de quando tudo era vivo até cada um.
Trouxeram-me clandestino através das tribos, das raças, de catacumbas e de catedrais
d’Impérios, de Revoluções, de guerras
e das mais maneiras que dizem respeito a todos.
A todos! eis o que me faz morrer.
A partida dos emigrantes, c. 1948, tríptico
(paineis central e lateral direito),
Por todos não fica ninguém há séculos e séculos
e os que parece terem deixado um nome
não deixaram senão renome
são de facto um cimo de todos,
o cadáver que ficou por cima na pirâmide dos mortos.
Tenho uma fé única: é cada um!
Cansado da humanidade creio só nas pessoas
naqueles que se levam consigo
e em nenhuma ocasião se perdem da sua própria mão.
e os que parece terem deixado um nome
não deixaram senão renome
são de facto um cimo de todos,
o cadáver que ficou por cima na pirâmide dos mortos.
Tenho uma fé única: é cada um!
Cansado da humanidade creio só nas pessoas
naqueles que se levam consigo
e em nenhuma ocasião se perdem da sua própria mão.
1893-1970
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Um poema que mostra a força deste poeta. A mesma força dramática que se vê no Reconhecimento à Loucura . Almada Negreiros é visto como um autor polémico, aguerrido no panorama do futurismo em Portugal. Destacou-se em diversas áreas artísticas, da pintura, do desenho à dança, da escrita à crítica de arte, e deixou um vasto espólio vanguardista que ainda está a ser estudado pelos especialistas. Na semana passada, de 13 a 15, decorreu o Colóquio Internacional Almada Negreiros, na Fundação Gulbenkian, assinalando os 120 anos do seu nascimento e os 100 anos da sua primeira exposição, reunindo 50 investigadores.
A todos os que por aqui passarem desejo um excelente fim de semana.
Abraço
Olinda
Imagens: Internet
Olinda,
ResponderEliminarQuanta força e beleza neste poema!
Trata com clareza espetacular da realidade
de que existe um algo mais, uma razão, quase uma certeza
de existência do todo no um; e do um em todos...
Muito lindo e humano!!
Bom FDS
Querida Olinda,
ResponderEliminarAlmada Negreiros é um poeta ímpar. Gosto muito deste poema e também da sua admirável prosa poética.
Tenho pena de viver longe da Gulbenkian...há uns cinco anos podia ir seguindo alguns eventos. Agora, a vida pesa e prende-me.
Bom Domingo.
bjs
Não conhecia e gostei muito, Olinda. às vezes dá vontade de rir do que vemos...do que nos querem fazer...dá-nos vontade de rir de determinadas atitudes de seres que se dizem racionais;" rir para não chorar, como se costuma dizer."
ResponderEliminarQuerem matar as nossas esperanças...os nossos sonhos, mas não devemos deixar...somos nós que temos o poder de escolha e essa deve ser a de continuar vivos até que a nossa própria morte chegue como consequência natural da vida. Temos saudades de humanidade que pouco se vê no ser humano , mas mesmo assim devemos continuar a acreditar nas pessoas e acima de tudo em cada um de nós, em cada um de nós em comunhão com o outro, com todos aqueles que sabem caminhar sem se perderem da sua própria mão; juntos conseguiremos viver verdadeiramente...viver " sem simulacros de vida ". Obrigada pela partilha, Olinda e uma boa semana. Beijinhos
Emília
Os poetas e a poesia não têm idade, repare que 100 anos se passaram desde o nascimento do Almada Negreiros, entretanto, sua contemporaneidade existe, resiste e insiste em ser vista no contexto do mundo, e do tempo em que estamos.
ResponderEliminarRio-me também daqueles que "se perdem da sua própria mão".
Por aqui estou vivendo 4 dias intenso de literatura, poesia & cinema, etc, estamos no período da Fliporto, este ano estamos com o Rui Couceiro, que mediou uma conversa com a Pilar del Río, e cujo tema, foi o Saramago; Francisco José Viegas, uma mistura de literatura com futebol; e logo mais à noite eu quero ver o Válter Hugo Mãe.
Um beijo, amiga e mais uma vez obrigada pela publicação!
;))
Onde tem "intenso", lê-se: intensos!
Eliminar;))
Realmente a poesia é intemporal. Almada Negreiros, faziam falta homens dessa fibra
ResponderEliminarnos dias de hoje. Faziam MUITA.
Desejo que esteja bem.
Beijinho
Irene Alves
Ver para lá olhar
ResponderEliminarBjs
Belo poema...Espectacular....
ResponderEliminarCumprimentos
Lindo poema,amei.
ResponderEliminarBom dia beijinhos.
Suas palavras são fortes e sempre serão atuais, ainda que se perca a contagem dos anos, desde que foram escritas. Bjs.
ResponderEliminarQuerida Amiga
ResponderEliminarO carácter de Almada Negreiros, está estampado em cada palavra, em cada verso.
Já não há Homens assim.
Beijos
SOL
Lindo poema! Não conhecia este poema de Almada Negreiros!
ResponderEliminarBjxxx
Muito forte mesmo, agitador, transtornante!
ResponderEliminarBeijinhos, uma boa noite!
Uma bonita homenagem a este Grande da Arte.
ResponderEliminarabraço.
Grande Almada... um poeta cheio de força, como dizes.
ResponderEliminarExcelente escolha.
Olinda, tem um bom resto de semana.
Um beijo, minha querida amiga.
Nunca o vi ao vivo, mas lembro-me de o ver no famoso ZIP_ZIP, na RTP
ResponderEliminarAgradeço e retribuo, querida amiga, votos de bom final de semana
Minha querida Olinda
ResponderEliminarTenho um "fraquinho" ENORME por Almada Negreiros. Um Homem, com H grande, com uma força como poucos, e brilhante em todas as artes em que "tocou".
Adorei este texto poético. Obrigada pela partilha.
Como sabes estive uns dias ausente, e logo que regressei (ontem) fui fazer novo tratamento aos olhos (este foi o 2º., em Dezembro será o 3º e último, espero....); isso impede-me de estar muito tempo frente aos écrans (TV e computador), mas aos poucos vou agradecendo as visitas recebidas.
Um excelente fim de semana, minha querida.
Beijinhos
Mariazita
(Link para o meu blog principal)