Desci as escadas rumo a um destino ainda desconhecido. Ouvi, um pouco ao longe, a música do amolador que me trouxe memórias de vidas não vividas, de pregões matinais e de varinas nas ruas de Lisboa. Daí a relembrar algumas passagens do Livro de Cesário Verde foi um passo. Procurei seguir em direcção ao som da sua flauta e vi-o, homem duns 70 anos, conduzindo a bicicleta à mão onde se via a pedra de amolar e alguns guarda-chuvas donde saíriam varetas para consertar outros guarda-chuvas. Teria ele essa sorte? Tive pena de não ter comigo a minha tesoura que já não corta nada.
Fui afinando a minha percepção: atravessei a estação de comboios e vi uma mulher que me pareceu uma conterrânea, vi uma rapariga que abanou a cabeça, sacudiu os cabelos, desiludida por ter perdido o comboio, vi um casal com uma criança duns 3 anos com capacete, o pai com o triciclo ao ombro, vi senhoras com carrinhos de compras que deixavam, ao passar,o cheiro de ervas aromáticas; vinham do mercado ao ar livre a uns passos dali, passos esses que resolvi fazer.
Fui andando e afinando os ouvidos a ruídos normalmente imperceptíveis e consegui distinguir chilreios de passarinhos nas varandas e choros matinais de criancinhas e tosses de idosos à janela à espera de um bom dia. Nesta altura já sabia qual seria o meu destino imediato. Distraída, falhei-o por um quarteirão. Nada a perder quanto a voltar para trás. Vi que o meu pedómetro marcava 2746 passos dos 10000 que me propunha fazer. Para isso, tinha de aceitar fazer todos os recados da malta lá de casa. Melhor entrar no ginásio. Melhor também não o fazer só hoje e tomar isso como um objectivo, senão seriam, com toda a certeza, passos perdidos.
Passos tão perdidos como os do corredor ou sala dos Passos Perdidos.