sexta-feira, 17 de outubro de 2025

Até logo

 À Isaura




Há oito meses dissemos:
– Até logo!
Era uma tarde fria de Novembro
uma tarde como qualquer outra
gente regressando a casa do trabalho
lancheiras malas rugas profundas no rosto.

Se houvesse malas de mão
para a saudade a desventura
não havia malas no mundo que chegassem…

Era uma tarde fria de Novembro.
Não sei se alguém sorriu
do beijo que trocámos.
– Até logo – disseste.

Depois passaram oito meses
os meses mais compridos que tenho encontrado.

Que pensamentos levava comigo?
Sei que disseste «até logo»
E era como se levasse as tuas mãos
Abertas sobre o meu peito.

Pensava
que só nas despedidas breves
por horas
se dizia «até logo»
como a alguém que parte
«boa viagem»
ou ao nosso companheiro
«bom trabalho».

Mas já passaram oito meses
duzentos e quarenta dias
cinco mil e setecentas horas.
Porque disseste
«Até logo»?

Se eu não soubesse
aprenderia que na minha pátria
os namorados dizem «até logo»
e estão meses anos
por vezes não voltam mais.

Fecham-nos
atrás de grades de ferro
espancam-nos
matam-nos devagar
e não permitem que apareçam
«logo».

Amiga
o ódio que trago armazenado
destas noite de insónia e abandono
dou-o à luta.
Mas temos que sofrer
sofrer deveras.
Até que um dia
Os homens cantarão livres como os pássaros

os namorados beijarão sem pressa
e as palavras «até logo»
quererão dizer simplesmente
«até logo»

António Borges Coelho

    (1928-2025)


António Borges Coelho, historiador, poeta e teatrólogo português. Catedrático jubilado da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, tem diversos títulos publicados sobre história medieval e começos da Idade Moderna.

Licenciado em Ciências Histórico-Filosóficas pela Universidade de Lisboa, doutorado em História Moderna com um estudo sobre a Inquisição de Évora, foi docente na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, especializado na área da História dos Descobrimentos e da Expansão Portuguesa.

Colaborou em várias publicações periódicas com estudos históricos; efetuou traduções de obras filosóficas e históricas; dirigiu a revista História Sociedade. No domínio da investigação histórica, revelou-se com A Revolução de 1383, numa tentativa de caracterização dessa crise sociopolítica a partir de uma perspetiva baseada no materialismo histórico. Ver aqui

Foi meu professor.

Faleceu hoje.


===

Poema: daqui

23 comentários:

  1. Boa noite, amiga Olinda.

    Não conhecia este autor. Soube do falecimento pela televisão, mas desconhecia completamente as suas obras.
    Gostei bastante deste poema que aqui partilha.

    Paz à sua alma.

    Deixo os votos de um bom fim de semana, com tudo de bom.
    Beijinhos, com carinho e amizade.

    Mário Margaride

    http://poesiaaquiesta.blogspot.com
    https://soltaastuaspalavras.blogspot.com

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  2. Bello poema. me gusto conocer sobre él. te mando un beso.

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  3. Boa noite, querida amiga Olinda!
    Um poema que retrata uma realidade de muitos que ouvem um até logo e, na realidade, é até a eternidade...
    Que só ouçamos um até logo verdadeiro!
    Tenha um final de semana abençoado!
    Beijinhos fraternos

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  4. Sentida homenagem com um poema que diz muito destas despedidas, destes momentos na vida, que seria melhor o adeus e boa sorte. Vai-se o homem, fica sua historia como um afago, a quem fiocu na plataforma à espera da volta. Sentimento de perda e vazio, que só o tempo pode vir ocupar decifrar o até logo.
    Carinhoso abraço amiga e paz a todos que o amava.
    Bjs de paz no coração.

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  5. Minha amiga Olinda,
    De todas as tarefas da vida, a mais difícil é dizer adeus. Mas só contamos boas histórias se elas contiverem saudade.
    Abraços!!!

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  6. Linda poesia dele à Isaura. E hoje ele partiu! Deve ter sido um ótimo professor! Que descanse em e na Paz!
    beijos praianos, chica

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  7. "IN MEMORIAM" , até já. Bom repouso.
    Magnífico Poema que tão bem retrata a gente que somos.
    A Homenagem possível a um Homem de Letras que parte.
    Solidário, Olinda.



    Beijo,
    SOL da Esteva

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  8. Todos os dias, depois de um " até logo ", alguém parte e deixa tristes familiares, amigos e, neste caso, antigos alunos. Não conhecia este Senhor e não ouvi nada sobre a sua partida. Desatenção minha com certeza ou então não lhe foi dada a importância que dão ao futebol, ao resultado das autárquicas ou às eleições para o próximo presidente da República. Não se fala de outra coisa nas nossas televisões, querida Olinda. Sim, só nas despedidas breves se deveria dizer " até logo " mas dizemo-lo na esperança de que amanhã ainda estejamos cá e voltemos a encontrar aqueles que nos querem bem. Disse " até logo " a pessoas queridas que já partiram, sem malas e essas malas comigo ficaram, malas onde guardo a saudade e as recordações que deles tenho; estão guardadas, para que um dia, alguém guarde as minhas junto destas, depois de também me terem dito um " até logo ". Sabem que não gosto da palavra " adeus " e creio que não a dirão mesmo que tenham a consciência de que será a nossa última despedida. Verdade, Olinda, nunca digo " adeus "....prefiro um " até logo " ou um " até breve, mas, claro, nunca sei se estou a usar a palavra correta. Impossível saber....
    Gostei muito, querida Olinda, deste poema e lamento a partida do teu professor. Sei que não te vou encontrar, mas deixo -te o meu " até logo "
    Beijinhos e saúde para todos aí
    Emília 🌻 🌻

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  9. Despedidas como as do poema que sabemos serem eternas são intensas porque carrega a emoção de não ver mais. Um 'até logo' que emociona .
    Obrigada pelas belas escolhas, Olinda
    deixo abraços para um bom fim de semana.

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  10. “Não tenhas medo do sangue aberto no corpo enfeitado pelas balas”.
    Curto texto ou curto poema assinado por António Borges Coelho, que ele deixa como herança da sua luta contra fascismo.
    Resistiu à ditadura, às prisões e às amarguras e viveu 97 anos.
    Bons vinhos o acompanharam, por certo, com todo o respeito. Teria sido?
    Ninguém melhor do que você, minha amiga Olinda, ex-aluna, para nos dizer como este intelectual pensava o mundo, além do que se encontra registrado no seu espólio, ele que foi poeta, jornalista, professor e outras tantas coisas.
    E que bela partilha é o poema "Até logo", a nos deixar ver os sentidos da natureza humana, quiçá os mais profundos. Nele, revela um olhar sensível sobre a saudade, da falta sentida por aquele que ama, pelo olhar transido e pelo apelo lírico.
    O poema dedicado a Isaura revela certo grau de originalidade da sua criação poética.
    Me debruçarei sobre sua herança para conhecer um pouco mais da vida desse intelectual português.
    Beijinhos, minha amiga Olinda, e muito agradecido pela partilha do poema!
    Aproveite o domingo!
    José Carlos

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  11. Olá, linda **
    Não gosto nada de dizer adeus.
    Digo sempre , até amanhã ou até logo.
    O até logo deste poema foi um adeus para sempre.
    Lamento a partida e agradeço excelente e carinhosa publicação.
    Abraço e brisas doces ****

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  12. Olá, amiga Olinda, é, um "Até logo" é menos traumático,
    Adeus não uso. Difícil essa hora quando chega...torná-la
    mais leve é bem melhor. Gostei muito do poema
    Gostei muito desse poema de António Borges Coelho.
    Um bom domingo, amiga, e uma excelente semana.
    Um abraço amiga, paz e saúde.

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  13. Despedidas me angustiam. Mas vão sempre acontecer, é inevitável.

    Nova tirinha publicada. 😺

    Abraços 🐾 Garfield Tirinhas Oficial.

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  14. Vamos ficando mais pobres!
    Um beijinho, querida Olinda

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  15. Boa noite, amiga Olinda.
    Passando por aqui, para desejar uma feliz semana, com tudo de bom.
    Beijinhos, com carinho e amizade.

    Mário Margaride

    http://poesiaaquiesta.blogspot.com
    https://soltaastuaspalavras.blogspot.com

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  16. Com o currículo que tinha deve ter sido um bom professor.
    Pouco conhecia da sua obra literária, mas o poema que escolheu deve ser uma boa amostra. E terá sido escrito no tempo da ditadura...
    Boa semana.
    Um abraço.

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  17. Não conheço mas pra quem conhecia é uma grande perda, Olinda boa semana bjs.

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  18. Deixou-nos. Mas um poeta e um historiador como ele foi, não morre porque fica para sempre no nosso coração. Que poema tão sentido a Olinda escolheu para deixar aqui. Belíssimo!
    Uma boa semana.
    Um beijo.

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  19. Bela poesia e reflexão. Gostei de acompanhar.

    Boa semana!

    O JOVEM JORNALISTA está no ar cheio de posts novos e novidades! Não deixe de conferir!

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    Até mais, Emerson Garcia

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  20. Que bonita homenagem ao seu professor!
    Um poema muito bonito que adorei ler.
    Um abraço.
    https://rabiscosdestorias.blogspot.com

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  21. Boa noite Olinda,
    Não ouvi a notícia sobre o falecimento deste nome tão Grande da nossa cultura, que infelizmente não conhecia.
    Fez-lhe uma lindissima homenagem, com um poema muito sentido e profundo, que me emocionou.
    Apresento-lhe as minhas condolências, porque tendo sido seu Professor gratas memórias e estima, decerto ficaram gravadas no seu coração.
    Um beijo.
    Emília

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  22. Maravilhoso poema, um "até logo" que toca o nosso coração.
    Desconhecia o poeta, muito obrigado por dar a conhecer.
    Preciosa homenagem.
    Beijinhos

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  23. Que lindo texto....realmente, difícil lidar com o "até logo"...

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