domingo, 31 de março de 2024

Ode à Paz





Pela verdade, pelo riso, pela luz, pela beleza,

Pelas aves que voam no olhar de uma criança,

Pela limpeza do vento, pelos actos de pureza,

Pela alegria, pelo vinho, pela música, pela dança,

Pela branda melodia do rumor dos regatos,


Pelo fulgor do estio, pelo azul do claro dia,

Pelas flores que esmaltam os campos, pelo sossego dos pastos,

Pela exactidão das rosas, pela Sabedoria,

Pelas pérolas que gotejam dos olhos dos amantes,

Pelos prodígios que são verdadeiros nos sonhos,

Pelo amor, pela liberdade, pelas coisas radiantes,

Pelos aromas maduros de suaves outonos,

Pela futura manhã dos grandes transparentes,

Pelas entranhas maternas e fecundas da terra,

Pelas lágrimas das mães a quem nuvens sangrentas

Arrebatam os filhos para a torpeza da guerra,

Eu te conjuro ó paz, eu te invoco ó benigna,

Ó Santa, ó talismã contra a indústria feroz.

Com tuas mãos que abatem as bandeiras da ira,

Com o teu esconjuro da bomba e do algoz,

Abre as portas da História,

deixa passar a Vida!

In: Inéditos (1985/1990)


***

A Paz! Senhora que nos fita do alto de várias incongruências, que nos acena, que nos sorri. E parece tão ao alcance das nossas mãos. Mas qual quê! Queremo-la realmente? Quantas e quantas vezes não pomos à frente as nossas próprias vontades.
Mas hoje saudemo-la, à Paz, desejemo-la com todas as nossas forças. Ela não é uma palavra vã. Olhemos para o que se passa lá fora, para as guerras que grassam e que fazem tantas vítimas. Vítimas de bombas das mais sofisticadas, da fome declaradamente visível. 
Quando vejo vultos de sacos ou volumes que caem dos céus, largados por aviões, e os pobres massacrados a correrem pela praia ou outros lugares para os apanhar, sendo por vezes atingidos pela metralha sem poderem gozar esse bem, começo a pensar que a nossa evolução como pessoas é uma "treta". 
A crueldade anda à solta.
 
E junto a minha voz à de Natália Correia:

Eu te conjuro ó paz, eu te invoco ó benigna,

Ó Santa, ó talismã contra a indústria feroz.

Com tuas mãos que abatem as bandeiras da ira,

Com o teu esconjuro da bomba e do algoz,

Abre as portas da História,

deixa passar a Vida!

***

BOA PÁSCOA
FAÇAMOS A NOSSA PARTE,
PARA A NOSSA REDENÇÃO.

Abraços

Olinda



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Poema: citador

sexta-feira, 29 de março de 2024

Que fazeis do mundo e da sua chama imponderável, ó homens





E então subimos aquele grande rio

e as portas do Ródão, chamadas. Era em abril,

dois dias depois da neve

e da cidade dos nevões, na serra.

E olhámos para os penhascos da beira-rio,

as oliveiras, o xisto, a cevada

as ervas de termo e as colinas.

E, junto da via férrea, os homens do país

miravam-nos como se fôssemos nós

e não eles os mortos desta terra,

homens do medo e do tempo da discórdia

que trazem para o cimo das estradas

a malícia que vai apodrecendo

seus pés neste mundo e em terras de outrem.

Que fazeis do mundo e da sua chama imponderável, ó homens,

perdidos que estais, hoje como ontem,

entre a casa e o limiar?

E evocámos, mais uma vez, esse provérbio sessouto.

E, na verdade, porque regressaremos,

após tantos anos, a este tema?

Será que a morte nos ensinou

a olhar para o homem com pavoroso êxtase?

JOÃO VÁRIO


Excerto de :
"Exemplo Relativo", 1968


***


Poeta denso e intenso, de difícil interpretação. Muito se tem falado dele mas não o suficiente porquanto é tido como pouco lido. Fala muito da morte, diz-se, e há quem diga que com razão. Quando pela primeira vez publiquei um excerto de um dos seus "exemplos", limitei-me a interrogá-lo, propondo percorrer o caminho por ele percorrido para o compreender. Mas para isso seria necessário ter o seu engenho e arte...


Ele é João Manuel Varela, de seu nome, mas também João Vário, Timóteo Tio Tiofe e Geuzim Té Didial. Foi um escritor, neurocientista, cientista e 
professor cabo-verdiano.

Estudou medicina nas universidades de Coimbra e de Lisboa e doutorou-se na universidade de Antuérpia, na Bélgica, onde foi investigador e professor de neuropatologia e neurobiologia. Ao jubilar-se, regressou à sua Mindelo natal.

Estreou-se com o livro “Horas sem carne” (1958), depois renegado. Participou em “Êxodo-fascículo de poesia” (Coimbra, 1961) e publicou “Exemplo geral” (1966) e “Exemplo relativo” (1968). Seguir-se-iam outros “exemplos” e a reunião na obra monumental “Exemplos- Livros 1-9” (2000).


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TITINA




Noite de Mindelo - B.Léza




Bom fim-de-semana, meus amigos.
Abraços
Olinda



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João Vário, aqui, no Xaile de Seda

Leiam:

João Vário- Todo o homem é Babel aqui (a questão da heteronímia)

Antologia do Esquecimento - "Exemplos" - aqui

segunda-feira, 25 de março de 2024

Comemoração do Dia Mundial da Poesia (4)

 

Iniciativa da Rosélia

Blogue - Escritos d'Alma 




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LE PARADIS PERDU


Je t'ai perdu il y a si longtemps

Je n'ai pas goûté ton nectar

Tes fruits, tu les as offerts à qui

Dans ta vie tu as 

mieux aimé


Et tu as desseché ton jardin de tout

Ce qui pourrait me rendre heureuse

Moi et toutes les forces de la nature

Nous pleurons ici, ce 

Paradis Perdu.







Perdi-te há tanto tanto tempo

Não cheguei a provar o teu néctar

Teus frutos ofereceste-os a quem

           Tu mais amaste 


E tu privaste o teu jardim de tudo

O que me poderia fazer feliz

Eu e todas as forças da natureza

Choramos, aqui, esse

Paraíso Perdido



***


Participação 4

Publicação de
Um poema por semana, 
ou prosa poética,
 em 
comemoração do dia Mundial da Poesia,

21/03


***


Neste meu último contributo para a Festa da Poesia, promovida pela nossa amiga Rosélia, interpretei a imagem como um lugar que poderia ter existido e albergado muitas emoções. Um "Paraíso Perdido". Aparece publicado, primeiramente, no idioma em que escrevi o texto.

Por motivo de saúde de familiar estarei ausente por uns dias.

Abraços 

Olinda


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Ressonância do Mês de Poesia

Muito obrigada, 

querida amiga Rosélia



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Primeira imagem: da Rosélia

quinta-feira, 21 de março de 2024

A Vida






A vida, as suas perdas e os seus ganhos, a sua

mais que perfeita imprecisão, os dias que contam

quando não se espera, o atraso na preocupação

dos teus olhos, e as nuvens que caíram

mais depressa, nessa tarde, o círculo das relações

a abrir-se para dentro e para fora

dos sentidos que nada têm a ver com círculos,

quadrados, rectângulos, nas linhas

rectas e paralelas que se cruzam com as

linhas da mão;


a vida que traz consigo as emoções e os acasos,

a luz inexorável das profecias que nunca se realizaram

e dos encontros que sempre se soube que

se iriam dar, mesmo que nunca se soubesse com

quem e onde, nem quando; essa vida que leva consigo

o rosto sonhado numa hesitação de madrugada,

sob a luz indecisa que apenas mostra

as paredes nuas, de manchas húmidas

no gesso da memória;


a vida feita dos seus

corpos obscuros e das suas palavras

próximas.
 
in "Teoria Geral do Sentimento"




Neste Dia Mundial da Poesia, um poeta que muito admiro 
e que nos deixou há poucos dias. 

Já prestigiou este Xaile de Seda com muitos poemas seus. 

Agora,"A Vida", um dos seus mais belos momentos poéticos.


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Nuno Manuel Gonçalves Júdice Glória (1949-2024) foi um ensaísta, poeta, ficcionista e professor universitário português. 
Deixa uma Obra Literária imensa. Foi agraciado com vários prémios.
Ver aqui 




Mariza
-Melhor de Mim-




Nuno Júdice aqui, no Xaile de Seda


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Poema-citador

segunda-feira, 18 de março de 2024

Comemoração do Dia Mundial da Poesia (3)


Iniciativa da Rosélia

Blogue - Escritos d'Alma 





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REDENÇÃO


Noite de luar, porém turva e nevoenta

Parece minha alma vencida na solidão

Sons que ecoam em surdina, porque 

apenas eu os oiço 

e mais ninguém


Remando sem cessar, acharei o

lugar que um dia, eu sei, será florido

um jardim onde colherei lindas flores

e grande alegria 

me inundará


Também o mar estará de azul vestido

num dia cheio de sol e de suave brisa

Acenarei feliz a quem por mim passar

Será esse o dia da minha 

Redenção.





Participação 3

Publicação de um poema por semana, 
ou prosa poética, em 
comemoração do dia Mundial da Poesia,
21/03

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Abraços
Olinda





Em 21/03:

Olá, Dia Mundial da Poesia!
Olá, Dia Mundial da Árvore!
Olá Primavera!

Hoje o Dia amanheceu belo e radioso
a saudar estes três eventos com pompa
e circunstância.

Que a Paz também venha e entre nos
corações daqueles que promovem a guerra.

Que as Crianças possam viver num mundo
de Concórdia e Amor.

Grande abraço a Todos.

Olinda



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Primeira imagem da Rosélia


quinta-feira, 14 de março de 2024

Com as minhas Palavras






Com as minhas palavras invento o Sonho
Terá alma o Sonho?
Saberá dos milhares de crianças chorando
A fome
Revoltados
Pelo vento que arranca impiedoso
Os frutos ainda verdes?

Com as minhas palavras invento a Vida
Terá alma a Vida?
Saberá do silêncio dos que nascem
Vivem
E morrem
No desespero da solidão?

Com as minhas palavras invento a Liberdade
Terá a alma a liberdade?
Saberá dos milhares de homens vivendo
Dia após dia
Hora após hora
A esmagar a raiva que martelam na memória?

Com as minhas palavras invento o Amor
Terá alma o amor?
Saberá da indiferença dos que dormem
Lado a lado
Frustrados
Na rotina agonizante do dia-a-dia?

in: A cor dos Poemas
pg 16


O Sonho, a Vida, a Liberdade, o Amor, 

conceitos a que demos nome e significado mas que no quotidiano nos trazem muitas interrogações. 

Onde estará a Alma das coisas, a anima, sobre a qual os antigos filósofos tanto inquiriram e tantos outros ao longo dos tempos, procurando encontrar o que nos faz avançar? 

Na actualidade, é mister que nos interroguemos e a autora de "A Cor dos Poemas" fá-lo, e não só neste poema. 

Em todo o livro perpassa essa inquietação.




Veja, p.f., o blogue: 

Sexta-feira, onde a autora publica os seus contos que depois edita em livro. E a dois do corrente mês teve lugar o lançamento deste precioso livro, o seu primeiro neste género: A Poesia.

Abraços, meus amigos.

Olinda

 

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imagem pixabay

segunda-feira, 11 de março de 2024

Comemoração do Dia Mundial da Poesia ( 2)

 

Iniciativa da Rosélia

Blogue - Escritos d'Alma 




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E S P E R A


Tarde calma

Neste recinto

Leio e sonho

Viajo e colho

Emoções

Viro uma folha

Outra e outra

Tensão latente

Arco e flecha

E o alvo ali

Lume aceso

Rubra flor

Em espera

No alvo linho

De um dia

De ouro! 





Participação 2

Publicação de um poema, 
por semana, ou prosa poética,
em 
comemoração do dia Mundial da Poesia,

21/03


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Abraços

Olinda




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Primeira imagem: da Rosélia