para que não se perca nunca a esperança irás oferecer aos homens do desânimo o último sol que ainda ontem brilhou e tecendo os longos cabelos dos dias tu mesmo irresistivelmente entoarás um hino de força seremos todos jovens com raízes nas mãos fomos franquear caminhos cheios de portas fechadas e levávamos connosco a esperança fomos decifrar nas estrelas o enigma que morre e brilha cada manhã nos olhos das plantas era preciso esperança e os homens que a não perderam no coração tão perto de todos a acharam mordendo infinitos e voltámos felizes mas ainda insatisfeitos e voltámos para logo amanhã nos lançarmos a correr pelos campos como crianças doidas de júbilo era assim a esperança no coração dos homens quando estes caçavam aves de pedra com fusis de flores e agora a herdávamos INTACTA Oswaldo Osório
Pseudónimo literário de Oswaldo Alcântara Medina Custódio, poeta, contista, dramaturgo e ensaísta, um marco na cultura de Cabo-Verde e continua a publicar, apesar de ter perdido a visão, em 2004. Biografia/video - aqui
==== Poema: in No Reino do Caliban I - pags 237/238 Imagem: daqui
Benignos os deuses que derramam Sua majestade no coração dos homens E dulcificam tempestades No fogo dos poetas. Néscios os homens que caminham rente Aos pés e de olhar perdido: Receiam a nuvem E gota de luz. E gemem as dores E funestas danças no corpo interdito De auroras negras. Liberdade é esta chama. Que almeja A inquietação dos anjos E o seio do barro redentor. E se glorifica eterna Na fusão do sonho E mágoa. Manuel Veiga in Perfil dos Dias pg.100 Ler Perfil dos Dias, o mais recente livro de Poesia de Manuel Veiga, é deveras um exercício de pertença. Nesse percurso, assinalam-se os poemas nossos preferidos para, a seguir, voltar ao princípio porque afinal são esses e mais outros e assim sucessivamente acabando, nós, por perfilhá-los a todos. Então, porquê a escolha de "Liberdade é esta chama..." e não outro, nesta nossa publicação de hoje?
Estes versos: Liberdade é esta chama.Que almeja/A inquietação dos anjos/E o seio do barro redentor, e todos os outros que compõem o poema, não poderiam, quanto a nós, definir com maior acuidade esse valor por que todos ansiamos, aflorando o fogo interior que nos anima e a nossa condição humana. E nesse lume redentor marcamos encontro esconjurando as nossas fraquezas e fantasmas.
Conhecendo um pouco da obra de Manuel Veiga, julgamos ver neste livro uma deliciosa contenção, quiçá, uma bem alojada maturação de ideias e de sentires. Os poemas grandiloquentes, que amamos, de palavras que desafiam os deuses, cantam Helenas e Lydias, louvam montanhas e declives, água e febre, em que, por vezes, o Poeta (perdoe-nos esta interpretação), ombreando com essa força divina lança raios e coriscos, em rasgos de puro talento,- dão lugar no presente livro a um olhar mais intimista e humanizado. Com efeito, surgem os chamados Poemas Mínimos dos quais colhemos mensagens inteiras e também aqueles em que o Poeta se recolhe e mostra mais de si, como em Inamovível Pedra, Sou Pedra Rústica, Sei que passo, Fio de prumo e outros, não deixando de lado Regresso(s), poema de uma doçura imensa.
Do Autor, assinalamos ainda: "Do Amor e da Guerra - Fragmentos", editora Modocromia, 2018. "Caligrafia Íntima", Poética Edições, 2017 "Do Esplendor das Coisas Possíveis", Poética Edições, 2016 "Notícias de Babilónia e Outras Metáforas", editora Modocromia, 2015. "Poemas Cativos", Poética Editora, 2014. O Blog: Relógio de Pêndulo .
NOTA: Num próximo post apresentaremos um Apontamento sobre o "Do Amor e da Guerra - Fragmentos".
Ela pega no livro de poemas e começa a ler. Entrementes, distrai-se e inconscientemente o seu pensamento voa para longe e ensaia palavras quase sem nexo: "A outra parte de mim gerada num dia de graça no cimo de alta montanha, enfeitada de coroa de louros, lira pura não dedilhada: Onde estará? Ansiará por mim?" Recolhe-se por momentos. Lá fora os sons da noite, ténues, num rumorejar fazem dançar o silêncio. Com as mãos cheias de nadaagarra a viola e toca a misteriosa música que os búzios transportam desde a noite dos tempos. O livro abandonado ganha vida, de novo.
ENTRE CADÊNCIAS
Adormeço entre a bigorna e a cadência dos relâmpagos. Escavo o minério por entre os ramos despenhados da ausência
O ritmo partiu-se no ar e levanto o rosto de encontro ao fogo quebrado e cego
Hoje não dançaremos a noite Sou um barco melancólico entre as dunas do silêncio
ÚLTIMO SILÊNCIO
Queria morrer numa praia desassombradamente livre morrer sentindo morrer o grito da gaivota -
Ana Pinto é artista plástica, abrangendo as áreas de pintura sobre tela, ilustração e cerâmica.Como tal está representada em várias colecções particulares em Portugal e no estrangeiro. Escreve poesia desde muito jovem. Em 2004 foi galardoada com o prémio Revelação em Poesia, pela Associação Portuguesa de Escritores (APE) e pelo Instituto Português do livro (IPLB), com o livro “ O pólen do silêncio”. A sua escrita, de diversas temáticas, incide também em temas clássicos e mitológicos.
Vilonda, dali da rocha azul, contempla agradado o campo cultivado e os bois a pastarem. Construiu a sua onganda na terra dos mundombes e vive ali com a família. Sabia que a cada povo pertence o seu território. Mas, atreveu-se a deixar as terras secas e escarpadas dos seus antepassados e tentar a sorte nas terras dos mundombes. E teve sorte. Eles não se importaram, ao ponto de lhe fazerem uma visita amigável. E ali, Tyenda chegou à idade de ser circuncidado, esteve um mês em retiro. Seguindo a tradição, Vilonda mandou-o em visita ao seu povo. Depois casá-lo-ia com a filha de Ngonda, amigo que veio morar perto dele, também construindo a sua onganda na terra dos mundombes, e pondo os seus bois a pastarem nos campos verdes. Alexandre olha para ela - Yaka. Mesmo agora sente-se impotente na interpretação da sua figura: tantos anos sem tentar compreender a mensagem... uma mensagem que vinha das profundezas da sua história? Vinha do sítio onde fora talhada e pintada? Ao sapalalo chegam notícias de revolta dos mucubais. E recomeça o grande medo, pensa para os seus botões. Chegam-lhe farrapos antigos da lembrança dos quintalões...barulhos metálicos de correntes...grilhetas tangidas...sons cavos e ameaçadores colados às folhas das acácias...sim, a ameaça dos quintalões chega do passado. E do lado dos mucubais, os Cuvale ? (designação que eles preferem)
Esbaforido, Tyenda chega a gritar: Ai pai, ai pai, o que está a passar na terra dos teus antepassados...estão a matar gente, os brancos estão a matar gente. Todos, todos... Os velhos dizem que eles vão-nos fazer mal em toda a parte. Querem matar todos os Cuvale, querem apanhar todos os bois. É, parece não haver escapatória: a maior parte dos Cuvale está refugiada na Serra da Neve... e lá também estava o oma-kisir, grande pássaro comedor de gente... Vilonda num ápice percebe tudo, aliás, a namulilo começou um comportamento estranho, mugidos, a forçar a vedação, transmitindo o nervosismo ao resto da manada. E a namulilo fez o que a mulher de Vilonda temia. Evitou o dono, pôs-se a correr, parou em frente da cubata onde Vilonda dorme meteu a cabeça lá dentro e lá ficou parada... Mau presságio. Tudo parou estarrecido, bois, gentes; pássaros e matrindintes se calaram; o vento já não agitava as folhas das palmeiras-leque... Momento fatídico. De repente quebrou-se o encantamento, a namulilo voltou para o curral e os bois não reagiram. A primeira mulher de Vilonda olha para ele, envelheceu de repente: as barbas do queixo mais brancas, o peito musculoso arqueado. E ele falou com voz cansada de velho: Vai haver morte na onganda. A namulilo, a vaca sagrada, não se enganava...
E Alexandre sabia. Conhecia os Cuvale. Eles, sem os seus bois preferiam mesmo morrer. O oma-kisir, o grande pássaro comedor de gente, veio e desapareceram as duas famílias, as suas ongandas. E os bois levados. Ele sabia: Haka! os olhos dos cuvale sem os bois! E o coração deles, então! Começava a compreender a mensagem que YAKA queria transmitir-lhe desde que o seu primeiro vagido estalou em terra cuvale, debaixo da mulemba.
==== Apontamento meu sobre os Cuvale (Kuvale), povo do Sul de Angola - baseado nas páginas 13, 150, 162, 165, 172, 174, 176, de YAKA. Em outros momentos, aqui no Xaile, falei desse povo peculiar, orgulhoso da sua cultura e dos seus costumes e que corre o risco de extinção.
Artur Carlos Maurício Pestana dos Santos, conhecido pelo pseudónimo de Pepetela (Benguela, 29 de Outubro de 1941), escritorangolano.
Resumo de Yaka. aqui ...através da articulação entre literatura e história, o romancista entrelaça a história individual da família Semedo com a história do desenvolvimento político e social de Angola, num período que começa em 1890 e se estende até 1975. Por meio de uma representação literária típica do romance histórico tradicional, o autor recupera a singularidade histórica de uma época atravessada por diversas crises históricas e políticas provocadas por fatores de ordem econômica e pelos constantes conflitos entre colonos portugueses e nativos angolanos. Através do uso da saga familiar como estratégia narrativa, Pepetela realiza uma análise da sociedade colonial e faz uma releitura da história do país, dando voz a tudo aquilo que foi silenciado e obscurecido pela historiografia oficial portuguesa. ===
Veja aqui Tribos do deserto do Namibe, - cuvale, chimbas e himbas
O ser humano busca nas artes a forma de exprimir os seus sentimentos, sonhos, anseios, desejos. Vemos isso na pintura, na escultura, na música, na dança, no teatro e em tantas outras actividades. Assim a Literatura, essa manifestação artística maior que, através do verso e da prosa, procura explicar o nosso mundo, o mundo das sensações, das emoções.É o sítio onde marcamos encontro, tomando contacto com a nossa condição humana, um lugar onde autores e leitores comungam do poder das palavras, a matéria prima moldada, cinzelada pelo talento e prenhe de significações. Cada um de nós aproveitará esse manancial, representado pelos textos literários, de conformidade com a sua sensibilidade e as suas necessidades.
Tem sido colocada a questão sobre a responsabilidade dos obreiros da Literatura de produzir textos que respondam ou não a questões da sua época ou, ainda com um sentido lato, que atravessem o próprio tempo tornando-se quase eternos.
Vejamos o que tem a dizer José Régio sobre o assunto, na sua qualidade de historiador da Literatura:
Penso eu que a literatura pode responder a interrogações, pode tentar responder-lhes, pode simplesmente pô-las e pode nem sequer pô-las. Há a contar com a variedade dos temperamentos literários. Coisa difícil, sei-o por experiência própria, embora deva estar na base de qualquer atitude crítica. Aceitemos, porém, que toda a grande literatura põe interrogações, e lhes procura resposta. Pergunto: Não poderá admitir-se que seja antes às interrogações eternas do homem eterno que a literatura procura responder? Não envelhecerá uma obra de arte precisamente na medida em que só responde às inquietações de uma época? E não perdurará na medida em que, através, ou não, de respostas provisórias a interrogações provisórias, sugere uma resposta eterna a interrogações eternas, exprime inquietações eternas embora de forma pessoal? Entendamo-nos: Há quem, no homem, antes considere o homem eterno, e quem antes considere o homem temporal. O leitor compreende que chamo homem eterno ao que, no homem, permanece através da diversidade das épocas, dos meios, das circunstâncias históricas, das modalidades individuais; e que chamo homem temporal ao que nele depende destas coisas. Evidentemente, o homem que através da literatura se nos revela é, ao mesmo tempo, um e outro: o temporal e o eterno. Mas a questão é esta: Será antes pelo que nos revela do homem temporal que uma obra dura por humana - ou antes pelo que nos revela do homem eterno? Duram as tragédias de Shakespeare, ou as comédias de Molière, antes pelo que nos mostram do homem do tempo de Shakespeare e Molière, ou antes pelo que nos mostram do homem de sempre?
Diz Rodrigues Miguéis: «Uma literatura que não responde às interrogações da sua época - pelo menos - está condenada ao esquecimento.» Ora aquele importante "pelo menos" ao mesmo tempo salva e embrulha tudo nesta frase dúbia. Tal como está expresso, o pensamento de Rodrigues Miguéis é o seguinte: uma literatura, para viver, deve responder às interrogações que o homem se põe. Em primeiro lugar (parece) às eternas interrogações do homem de sempre; pois em não respondendo a estas, deverá responder, pelo menos, às da sua época.
Ecce Homo: José Régio (1901-1969), ou José Maria dos Reis Pereira,o autor do Cântico Negro, poema lapidarde que apenas retemos, por vezes, os versos considerados mais emblemáticos:
"Ninguém me diga: vem por aqui"!
...Não sei para onde vou
Sei que não vou por aí!",
poema esse incluído em Poemas de Deus e do Diabo. Na sua escrita as Palavras parecem ganhar força anímica, a marca desse grande escritor, poeta, dramaturgo, romancista, novelista, contista, ensaísta, cronista, crítico, autor de diário, memorialista, epistológrafo e historiador da literatura. aqui