quinta-feira, 30 de abril de 2015

Viajo




Vou de barco
no crescimento das ondas                    
num bailado ziguezagueante
de águas aveludadas.
Solto-me na surdez do sol
queimando corpos de mulheres
que correm junto à margem
engolfadas na espuma marítima.
Há uma chama a dissolver-se no mar
um deserto para sentir
o que nunca foi, um destino inscrito
na eternidade a reinventar a vida.
Sob os meus olhos em delírio
passam todas as estradas
subindo as escarpas
das sensações cavernosas, um sabor
analgésico boiando sob os picos silvestres.
Viajo.
Vou-me apropriando do universo
das belezas extasiadas.
Meu deus, a vida é uma valsa
a percorrer os trilhos breves dos desejos!
Uma orgia brotando das narinas
uma vertigem na folhagem
descendo dos céus
como um elipse para vencer o tempo!



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Imagem - daqui

sábado, 25 de abril de 2015

Poema do Homem Só





Sós,
irremediavelmente sós,
como um astro perdido que arrefece.
Todos passam por nós
e ninguém nos conhece.
 Os que passam e os que ficam.
Todos se desconhecem.
Os astros nada explicam:
Arrefecem
 Nesta envolvente solidão compacta,
quer se grite ou não se grite,
nenhum dar-se de outro se refracta,
nenhum ser nós se transmite.
 Quem sente o meu sentimento
sou eu só, e mais ninguém.
Quem sofre o meu sofrimento
sou eu só, e mais ninguém.
Quem estremece este meu estremecimento
sou eu só, e mais ninguém.
 Dão-se os lábios, dão-se os braços
dão-se os olhos, dão-se os dedos,
bocetas de mil segredos
dão-se em pasmados compassos;
dão-se as noites, e dão-se os dias,
dão-se aflitivas esmolas,
abrem-se e dão-se as corolas
breves das carnes macias;
dão-se os nervos, dá-se a vida,
dá-se o sangue gota a gota,
como uma braçada rota
dá-se tudo e nada fica.
 Mas este íntimo secreto
que no silêncio concreto,
este oferecer-se de dentro
num esgotamento completo,
este ser-se sem disfarce,
virgem de mal e de bem,
este dar-se, este entregar-se,
descobrir-se, e desflorar-se,
é nosso de mais ninguém.
António Gedeão


Palavras extraídas do discurso de Urbano Tavares Rodrigues, intitulado: António Gedeão: Decifrador do mundo, alquimista do sonhoaqui:
Como sábio, como alquimista – dos minérios e do verbo – vem António Gedeão, com Movimento Perpétuo, em 1956; com Teatro do Mundo, em 1958; com Máquina de Fogo, em 1961, superar o verdadeiro abismo que existia (e afinal continua a existir, salvo raras excepções) entre esses dois domínios. Os seus poemas lírico-didácticos, de constatação das coisas, de explicação dos fenómenos conseguem a fusão das duas atitudes habitualmente separadas; a sua viva inteligência, a sua palavra serena penetram a mecânica do mundo físico e criam os seus correlatos no jardim das ideias e das sensações.

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Meu amigos, desejo-vos um excelente DIA DA LIBERDADE.
Abraço
Olinda

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A imagem foi retirada daqui

quarta-feira, 22 de abril de 2015

Sinais que no amor se adiantam






No teu olhar se esfuma e desvanece
A cidade onde o corpo por enquanto é preciso.
É quando a outra face do luar aparece
E o balir das ovelhas tem o som do meu riso.

Para tapar meu seio já nenhum astro tece
A roupa com que outrora saí do paraíso.
0 pudor é da terra. Só por isso anoitece
E a nudez dos amantes é não darem por isso.

A semente do Filho que em nós amadurece
Trouxe-a no bico a Pomba que o seu reino prepara.
Por isso na cidade já ninguém nos conhece
Pois que ambos trazemos esse filho na cara.
Natália Correia

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Imagem: daqui

segunda-feira, 20 de abril de 2015

Impõe-se um novo conceito de Mare Nostrum

Espaço privilegiado de contactos culturais, intensas relações comerciais e de confrontos políticos, desde a antiguidade, o mar mediterrâneo vira florescer e desaparecer diversas civilizações. Vários foram os povos que habitaram e habitam as suas margens.

A queda de Constantinopla, em 1453, que ditara o início da idade moderna para a Europa, também dera azo, por outro lado, ao encerramento do lado oriental desse mar à penetração europeia, pelos otomanos. (Oportunidade para os portugueses ousarem o Atlântico em busca do caminho marítimo para a Índia).

Muitas veredas foram percorridas a partir dessa altura. Com a gradual decadência do império otomano a Europa e os Estados Unidos ganharam influência sobre a região na sequência das duas grandes guerras, da guerra fria, da criação da Nato, sem contar com os conflitos israelo-árabes. Parece, assim, afirmar-se o nome que lhe foi dado pelo romanos, Mare Nostrum, e nem sempre pelos melhores motivos.



Hoje, mais do que nunca, impõe-se que recuperemos esse conceito ou arranjemos um novo, que o aperfeiçoemos e adoptemos medidas de ajuda aos refugiados que tentam alcançar terra firme, em fuga pela vida e que acabam por morrer afogados à vista daquilo que eles consideram o eldorado, perseguidos pela fome, pelos horrores da guerra e por tudo o que no dia a dia lhes faz a vida insuportável.

O que fazer? Um trabalho aturado no terreno, procurando prevenir o que é imprevisível, inverosímil, e que acaba por nos dar a sensação de que nos ultrapassa a todos?Alargar o estatuto de refugiado político, abrangendo todos os que procuram protecção nessas circunstâncias?  Não há dúvida que o assunto terá de ser discutido por quem de direito, pelas instituições internacionais que têm poder de intervenção diplomática, de modo a minimizar o sofrimento desses povos martirizados.

E não esquecer que a Itália faz parte da União Europeia. Não é justo que esteja sozinha a braços com uma situação desta magnitude. É tempo desta entidade, a UE, assumir a sua responsabilidade neste contexto de tragédia humanitária. Mas, quem sabe se não accionou já as ferramentas necessárias nesse sentido. Esperemos que sim.

quinta-feira, 16 de abril de 2015

Abril - Mês da Prevenção dos Maus-Tratos na Infância

Vede, meus amigos, este é o mês dedicado à prevenção dos maus-tratos contra as crianças. Por amarga ironia, verificaram-se, por cá, nos últimos dias, actos aterradores contra alguns destes seres frágeis e inocentes. 

Perante esta realidade e por tudo o que tem acontecido ao longo dos anos, temos de tomar consciência de que somos todos responsáveis. Onde quer que haja uma criança em risco é onde deveremos estar, deixando de ser um reduto dos procriadores e passando a ser, pura simplesmente, um espaço de intervenção pública. E não vale virar a cara ao problema, porque é um problema grave que precisa ser solucionado.

Há instituições afectadas a esta área? Há. Há legislação para punir os prevaricadores? Há. Há documentos internacionais que asseveram os direitos das crianças e ratificados por Portugal? Há. Então o que nos falta? Amor? É o desleixo, o deixa andar porque não é comigo, é com o colega ao lado ou com o vizinho mais ao lado? Ora, tenhamos vergonha e cumpramos o nosso dever. Sei que há instituições que levam a cabo, durante este mês, algumas actividades assinalando o tema, mas precisamos de mais, muito mais.

O tempo urge. O menino de seis meses e a menina de dois anos, as últimas vítimas mortais, conhecidas, assim o exigem.



Transcrevo parte de um texto, encontrado neste vasto mundo virtual, que traduzirá muitas das nossas preocupações e anseios:

Por nossas crianças

Rogo, não só a Deus,
mas a todos que possam ser responsáveis por elas.
Aos pais, para que as amem acima de tudo
e que lhes deem o carinho de que necessitam
para se tornarem pessoas de bem.
Aos professores,
para que assumam o papel de seus mestres
e os oriente no caminho certo,
a fim de que tomem a direção correta em suas vidas.
Aos políticos,
para que usem do seu poder
na defesa dos interesses coletivos
e se sirvam dele para aprovar projetos sociais
que visem acolher as que se encontram abandonadas,
e tirá-las das ruas dando-lhes condições
(a elas e a seus pais)
para viverem de forma digna
e tornarem-se cidadãos conscientes e participativos,
capazes de melhorar a sociedade na qual vivem.
Aos mais velhos,
sejam quais forem as suas profissões,
rogo que se esforcem para passar a todas as crianças
que cruzarem os seus caminhos,
as lições que adquiriram com o tempo.
Aos cristãos,
que pregam o evangelho onde o primeiro mandamento é:
“Ama a teu próximo como a ti mesmo”,
para que vivam essas palavras
e não apenas as pronunciem da boca para fora,
mas falem do coração.

(...)

Lívia Chamusca

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Transcrevo, a seguir, estas palavras extraídas do comentário da Majo:


~ Quero alertar que aos professores também cabe o papel
de estarem atentos ao comportamento dos alunos, divulgar
o nº de contacto da linha de apoio nas turmas e incentivar a
participação da todas as crianças e jovens.

~Exorto todos a cumprirem o seu dever, que é mais do que
mera cidadania, neste caso, é uma questão de humanidade.
A referida linha é anónima e confidencial e o Instituto pode
ser contactado por ''e.mail''... Toda a informação no Google,
basta pesquisar: «SOS Criança».


Muito obrigada, cara amiga, por este importante contributo.

Olinda

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Excerto: daqui - Os meus agradecimentos à autora.
Imagem: daqui

sexta-feira, 10 de abril de 2015

Manhã cinzenta



À partida de S. Miguel

Ai madrugada pálida e sombria
em que deixei a terra de meus pais...
e aquele adeus que a voz do mar trazia
dum lenço branco, a acenar no cais..
0 meu veleiro — era de espuma fria —
levava-o o fervor dos vendavais.
À passagem gritavam-me: onde vais?
Mas só o meu veleiro respondia.

Cruzei o mar em direcções diferentes.
Por quantas terras fui. por quantas gentes.
nesta longa viagem que não finda.

Só uma estrada resta — mais nenhuma:
na Ilha que o passado envolve em bruma,
um lenço branco que me acena ainda...
Natália Correia

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Imagem-daqui

segunda-feira, 6 de abril de 2015

Principio do dia


Rompe-me o sono um latir de cães
na madrugada. Acordo na antemanhã
de gritos desconexos e sacudo
de mim os restos da noite
e a cinza dos cigarros fumados
na véspera.
Digo adeus à noite sem saudade,
digo bom-dia ao novo dia.
Na mesa o retrato ganha contorno,
digo-lhe bom-dia
e sei que intimamente ele responde.

Saio para a rua
e vou dizendo bom-dia em surdina
às coisas e pessoas por que passo.

No escritório digo bom-dia.
Dizem-me bom-dia como quem fecha
uma janela sobre o nevoeiro,
palavras ditas com a epiderme,
som dissonante, opaco, pesado muro
entre o sentir e o falar.

E bom dia já não é mais a ponte
que eu experimentei levantar.
Calado,
sento-me à secretária, soturno, desencantado.

(Amanhã volto a experimentar).

Rui Knopfli
1932-1997

Poeta. Jornalista. Nasceu em Inhambane, Moçambique. aqui

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Imagem - daqui

sábado, 4 de abril de 2015

FELIZ PÁSCOA

Com este selo oferecido pela amiga Gracita, desejo-vos uma Páscoa Feliz ao lado dos vossos familiares e amigos.



Grande abraço. 

:)

Olinda

sexta-feira, 3 de abril de 2015

No Jardim de Getsémani






Tinha eu treze anos quando li a Bíblia*. Tinha ido estudar para a casa de uns tios meus e um dia encontrei o livro de capa preta. Folheei-o e gostei do que diz João: No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus. E toda aquela sequência que passava de um nome para o outro, quase uma lengalenga, uma história, maravilhava-me e procurava encontrar-lhe o sentido. E assim li-o todo, o Antigo e o Novo Testamentos, sem alarde, sem comentar nada com a minha tia a quem pertencia e que seguia a Religião Baptista, nem com ninguém. Durante esse ano lectivo foi o meu livro de cabeceira, imaginem. Nunca mais o li mas também nunca mais o esqueci.

Nesta semana, denominada de Semana Santa no mundo católico, chama-me especial atenção a Sexta-Feira da Paixão, mais precisamente os momentos que antecedem a detenção de Jesus. Depois de cear com os seus discípulos e de lhes comunicar que um deles iria traí-lo e entregá-lo, o Mestre recolhe-se em oração no jardim de Getsémani. Pede ao Pai que o poupe mostrando assim a sua fragilidade, a sua condição humana. Sofre de tal modo que, segundo Lucas, o suor lhe escorria em grandes gotas de sangue. Reconhecendo que o espírito está pronto mas a carne é fraca submete-se, contudo, à vontade do Pai e caminha para o sacrifício.

Embora sabendo-o de antemão, uma das situações que o terá ferido sobremaneira terá sido a rejeição dos seus discípulos na hora de maior aflição, encontrando-se sozinho no meio dos seus algozes. Nos últimos momentos sente a necessidade de exclamar: Meu Deus, meu Deus por que me abandonastes? É matéria de fé aceitar que Jesus Cristo se sujeitou à pior morte, morte na cruz, para a salvação dos pecadores. Mas, em termos humanos, não deixa de me comover a situação desse homem que num dia é aclamado e recebido em festa e poucos dias depois se vê sem apoio e executado como um criminoso. Um homem que anunciava o amor e a paz entre todos.

Matéria para reflexão, penso eu, sobre a efemeridade e fatuidade das coisas deste mundo se não as cimentarmos no amor e na solidariedade.

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*Voltarei com este tema um dia destes, mas numa outra vertente.:)  

  

quarta-feira, 1 de abril de 2015

Nós e Maria da Penha

É impressionante ouvir as notícias e dar-nos conta da barbaridade que grassa por este país fora contra as mulheres. Trata-se de um fenómeno que não é de agora mas que se vai incrementando cada dia que passa: Mulheres maltratadas, violadas, mortas, por maridos, ex-companheiros, namorados e ex-namorados, numa espiral inconcebível. 

Essas desgraças acontecem em casa, na rua, nos locais de trabalho, onde quer que seja. Não há lugar seguro, as distâncias não contam. Lembro-me do caso, ainda não há muito tempo, do homem que apanhou um avião para ir matar a ex-companheira e o marido a muitas milhas do torrão natal. E assim por diante. Será necessário falar em números? Todos nós os conhecemos. Dá a sensação de que nos encontramos no reino da impunidade e que os agressores se sentem incentivados cada vez que os seus actos são noticiados. Tal como os pirómanos.

É preciso travar essa gente. É preciso rever os procedimentos e, se não houver alternativa, produzir legislação específica. Centremo-nos, por exemplo, na Lei nº 11 340, comummente conhecida como Lei Maria da Penha, da legislação brasileira direccionada para casos de violência doméstica, visando punir abusos perpetrados contra as mulheres. Este instrumento legal cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher e ao mesmo tempo desdobra e define o conceito de violência neste contexto: violência física, violência psicológica, violência sexual, violência patrimonial, violência moral. Confiram-no aqui. 

E quem é Maria da Penha? Uma mulher vítima de abusos durante vinte e três anos de casamento, com duas tentativas de assassinato. Da primeira vez com arma de fogo tendo ficado paraplégica, e da segunda por electrocussão e afogamento. Na denúncia e julgamento não encontrou a justiça que procurava pelo que recorreu ao apoio de entidades competentes. A Lei nº 11 340, de 2006, é o resultado da sua jornada. 

A verdade é que não podemos continuar impávidos perante esta calamidade que põe em causa a nossa dignidade como seres humanos. Se as leis que existem não abrangem, na íntegra, essas situações então há que alterar os códigos que nos regem. Sigamos os bons exemplos senhores legisladores. A sociedade civil, também terá de fazer a sua parte, pressionando quem de direito e porfiando na sensibilização e mudança de mentalidades.